João Batista de Freitas
Não sei se conseguirei chegar ao fim desta
crônica. Afinal, todas as vezes que tentei contar esta história para algum
amigo não consegui terminar – o pranto me emudeceu. Este fato aconteceu por
volta de 1958, ano em que o Brasil ganhou o primeiro título mundial de futebol.
Eu tinha 5 anos e, portanto, não me lembro dos fatos. Assim, passo a narrar
aqui a minha interpretação do que ouvi da minha mãe muito tempo depois.
Eram outros tempos, outro Brasil, outra
economia, afinal, outro mundo. Na cidade de Araxá, no Alto Paraíba, no Estado
de Minas Gerais, vivia uma pequena população que naquele tempo não devia passar
de 30 mil pessoas; épocas difíceis, empregos escassos, dinheiro raro – afinal,
o mundo saíra havia poucos anos da Segunda Guerra Mundial e o Brasil ainda era
um dos mais pobres países do mundo – o que se convencionou chamar de Terceiro
Mundo.
Vivíamos de favor numa casa de um quarto
só, apesar de grande, mas éramos cinco irmãos, uma irmã e minha mãe, que
naquela época estava separada do meu pai. Minha mãe trabalhava como zeladora no
mesmo Grupo Escolar em que antes trabalhara como professora – uma outra
história que quando puder eu contarei aqui neste espaço. Saía pela manhã e só
voltava à tarde, e eu, como o mais novo, ficava aos cuidados de minha querida
irmã Concheta, que até hoje considero uma segunda mãe.
Pintado este quadro, vocês podem imaginar
que vivíamos em uma condição de extrema pobreza, visto que papai não ajudava
financeiramente em nada – aliás, pouca notícia a gente recebia do seu
paradeiro. Lembro-me que nossa roupas eram ganhas de nossos primos e pessoas
caridosas, já bastante surradas, mas que para nós era um alento. Assim, mamãe
mantinha uma conta (aquelas antigas, controladas por caderneta) na pequena
mercearia que havia quase ao lado da nossa casa, na saudosa Rua Costa Sena,
perto da matriz de Araxá.
Contava ela que, certo dia, já com a conta
bastante estourada, ela abriu o guarda-comida e não havia ABSOLUTAMENTE nada
para fazer no jantar – sequer um quilo de fubá para que se fizesse um mingau
que enganasse nossos estômagos até que o sono viesse. Neste momento alguém
bateu à porta, trazia um envelope enviado por papai, que nunca havia escrito ou
enviado nada até então. Mamãe, após agradecer, abriu o envelope e havia dentro
uma nota de 2 cruzeiros, exatamente o que ela precisava para nos alimentar
naquela bela tarde de verão.
Então, ao contar esta história, ela sempre
concluía dizendo que, anos depois, quando se reconciliou com papai, jamais teve
coragem de perguntar ou comentar com ele a respeito daquele dinheiro, porque
tinha a certeza que aquele valor havia sido colocado ali não pelo meu pai, mas
por Deus.
Se eu estive escrevendo esta história em
uma folha de papel com certeza ela estaria, agora, úmida de lágrimas. Mas o
teclado não deixa transparecer estas gotas que insistem em cair dos meus
olhos...