domingo, 25 de agosto de 2013

Crônica 12 - DOIS CRUZEIROS


João Batista de Freitas
Não sei se conseguirei chegar ao fim desta crônica. Afinal, todas as vezes que tentei contar esta história para algum amigo não consegui terminar – o pranto me emudeceu. Este fato aconteceu por volta de 1958, ano em que o Brasil ganhou o primeiro título mundial de futebol. Eu tinha 5 anos e, portanto, não me lembro dos fatos. Assim, passo a narrar aqui a minha interpretação do que ouvi da minha mãe muito tempo depois.
Eram outros tempos, outro Brasil, outra economia, afinal, outro mundo. Na cidade de Araxá, no Alto Paraíba, no Estado de Minas Gerais, vivia uma pequena população que naquele tempo não devia passar de 30 mil pessoas; épocas difíceis, empregos escassos, dinheiro raro – afinal, o mundo saíra havia poucos anos da Segunda Guerra Mundial e o Brasil ainda era um dos mais pobres países do mundo – o que se convencionou chamar de Terceiro Mundo.
Vivíamos de favor numa casa de um quarto só, apesar de grande, mas éramos cinco irmãos, uma irmã e minha mãe, que naquela época estava separada do meu pai. Minha mãe trabalhava como zeladora no mesmo Grupo Escolar em que antes trabalhara como professora – uma outra história que quando puder eu contarei aqui neste espaço. Saía pela manhã e só voltava à tarde, e eu, como o mais novo, ficava aos cuidados de minha querida irmã Concheta, que até hoje considero uma segunda mãe.
Pintado este quadro, vocês podem imaginar que vivíamos em uma condição de extrema pobreza, visto que papai não ajudava financeiramente em nada – aliás, pouca notícia a gente recebia do seu paradeiro. Lembro-me que nossa roupas eram ganhas de nossos primos e pessoas caridosas, já bastante surradas, mas que para nós era um alento. Assim, mamãe mantinha uma conta (aquelas antigas, controladas por caderneta) na pequena mercearia que havia quase ao lado da nossa casa, na saudosa Rua Costa Sena, perto da matriz de Araxá.
Contava ela que, certo dia, já com a conta bastante estourada, ela abriu o guarda-comida e não havia ABSOLUTAMENTE nada para fazer no jantar – sequer um quilo de fubá para que se fizesse um mingau que enganasse nossos estômagos até que o sono viesse. Neste momento alguém bateu à porta, trazia um envelope enviado por papai, que nunca havia escrito ou enviado nada até então. Mamãe, após agradecer, abriu o envelope e havia dentro uma nota de 2 cruzeiros, exatamente o que ela precisava para nos alimentar naquela bela tarde de verão.
Então, ao contar esta história, ela sempre concluía dizendo que, anos depois, quando se reconciliou com papai, jamais teve coragem de perguntar ou comentar com ele a respeito daquele dinheiro, porque tinha a certeza que aquele valor havia sido colocado ali não pelo meu pai, mas por Deus.

Se eu estive escrevendo esta história em uma folha de papel com certeza ela estaria, agora, úmida de lágrimas. Mas o teclado não deixa transparecer estas gotas que insistem em cair dos meus olhos...

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Crônica 11 A maratona


João Batista de Freitas
A maratona é a corrida mais famosa, mais conhecida e mais realizada no mundo desde as Olimpíadas de 1896. São mais de 500 disputas anuais em todo o globo, como lembrança histórica ao fato em que o general grego Milcíades, em 490 a.C. ordenou ao atleta Feidípedes que corresse até Atenas, situada a cerca de 40 km dali, para levar a notícia da Vitória na guerra realizada na planície de Marathonas.
Mas para mim há outra corrida mais famosa, mais importante e mais histórica. Esta eu presenciei – pelo menos em parte – e vivi a sua conclusão. Eu era ainda criança, morávamos em uma casa simples na Rua Perdizes, número 136, em Araxá, Minas Gerais. Meus pais, meus irmãos, minha irmã Concheta e eu. Mamãe sofria do coração, tinha um problema na válvula mitral que acabou matando-a em 1971, doença que teve origem em uma infecção sofrida por ela antes mesmo de eu nascer.
Mas vamos ao fato. Meus irmãos Daniel e Luiz estavam pintando nossa casa, sob a supervisão de nosso pai e, talvez por causa do forte cheiro da tinta, mamãe começou a passar mal e desmaiou. Não tínhamos telefone em casa, artigo tecnológico pouco acessível para aquela época, meados dos anos 60, ainda mais para uma família pobre numa pequena cidade do interior mineiro.
Enquanto discutíamos o que fazer – usar o telefone de um vizinho ou pedir um vizinho que a conduzisse de carro – Daniel, descalço e com a roupa toda suja de tinta, saiu em desabalada carreira rua abaixo. Todos sabíamos que o seu destino era o Hospital Dom Bosco, único municipal em Araxá, pois não tínhamos recursos para atendimento médico particular. Em menos de 10 minutos – pasmem – Daniel voltou dentro da ambulância do hospital. Mamãe foi socorrida e tudo correu bem. No dia seguinte ela já estava novamente em nosso convívio.
Calculo que de nossa casa até o hospital tenha pouco mais de dois quilômetros, ou seja, bem menos do que os 40.195 metros percorridos por Feidípedes, mas para mim esta foi uma corrida muito mais heroica e emocionante.
Até hoje Daniel é uma espécie de herói para toda a família; sempre pronto a ajudar, lembrando de tudo e de todos, uma espécie de “segundo pai” para todos os irmãos, filhos, sobrinhos, netos etc. Mês passado ele completou 65 anos e eu nem liguei para cumprimentá-lo. Então fica aqui esta simples homenagem a este nosso herói caseiro.