domingo, 28 de outubro de 2012

Causo 67 Roubo do relógio



Nicanor de Freitas Filho
            Minha cunhada trabalhava na USP, como Desenhista. Aliás, ela é uma artista nata. Faz cada coisa linda! Ela tinha uma colega, que trabalhava junto com ela, e eram muito amigas. Muitas vezes, para terminar um serviço, ficavam até mais tarde, fazendo umas horas extras. Essa amiga morava no Tucuruvi. Não era tão difícil para ela, porque tinha uma linha de ônibus elétricos, que fazia exatamente USP x Tucuruvi. Então ela pegava este ônibus, ia direto e parava bem perto de sua casa. Como sempre acontece, quando ela entrava no ônibus, geralmente já conhecia alguma das pessoas que lá estavam, incluindo motoristas e cobradores.
            Um dia trabalharam até mais tarde um pouco e por volta das 20 horas saíram juntas e cada uma tomou o seu ônibus. Ela entrou, reconheceu dois ou três passageiros, passou pela roleta e assentou já perto da porta de saída, num banco vazio, ou seja, os dois lugares vagos. Pôs a bolsa no colo, e foi pensando na vida. O que tinha feito naquele dia, o que a esperava em casa e o que poderia fazer no dia seguinte.
            Totalmente absorta nos pensamentos, só percebeu que se sentou alguém ao seu lado, porque esbarrou acintosamente nela, inclusive tocando-lhe no braço. Ela olhou feio para ele e reparou que se tratava de pessoa realmente mal-educada, não estava bem vestido e pensou consigo mesma: - deve ser um pobre coitado, mas vou trocar de lugar, porque não gostei da cara dele.
            Olhou, olhou não encontrou uma poltrona vazia e nestes movimentos de olhar para frente e para trás, percebeu que seu relógio de pulso havia “sumido”. E ela gostava muito dele, até por ter sido presente do namorado. Então ela começou a ter um drama! Como reagir? O ônibus cheio, ela pensou, vou gritar que ele roubou meu relógio, e o pessoal vai me ajudar! Mas é um vexame! Pensou melhor e resolveu, deixa pra lá, não sou a primeira vítima de roubo. Mas pensou, tenho que sair daqui nem que tenha que fazer o resto da viagem em pé! Aí “doeu” de novo, o relógio dado pelo namorado... Que dúvida cruel! Não sabia o que fazer e aquilo foi atormentando sua cabeça, até que ela tomou uma decisão: o ônibus está cheio, vou reagir e se ele tentar me intimidar mais sei que os demais passageiros vão me ajudar.
            Resolvida, ela pegou dentro da bolsa, aquele pente com cabo, passou-o por baixo do seu próprio braço, que segurava a bolsa, que ela deixou aberta. Cutucou com o cabo fino do pente nas costelas do larápio, olhou firme nos olhos dele e disse com voz enérgica e direta:
            “ – Bota o relógio dentro da minha bolsa!” E não tirou os olhos dele. Olhava-o com raiva e muita segurança! No que ele obedeceu e, provavelmente, para não ser linchado, pensou ela, desceu do ônibus que estava parado no ponto. O motorista fechou a porta e seguiu a viagem. Ela se sentiu aliviada, pois não só recuperara o relógio, como o ladrão se intimidou com a reação forte dela e foi embora. Ufa!!
            Chegando em casa ela contou para a Mãe o que havia ocorrido e mostrou triunfante o relógio... que ela havia “roubado”. Sim! O relógio não era o dela, era um relógio masculino! Ela não sabia o que fazer. Será que o cara tinha trocado os relógios? Ou será que ele já tinha roubado mais de um e se confundiu na hora da devolução?
            Ela entendeu melhor o que houve, no dia seguinte, ao chegar no escritório e encontrar o seu relógio dentro da gaveta da mesa de trabalho!!!
            Verdadeiramente, ela havia assaltado o pobre rapaz!!

domingo, 14 de outubro de 2012

Causo 66 Cadê meu telemóvel?



Nicanor de Freitas Filho
            Minha esposa tem uma única tia, ainda viva, em Portugal – irmã do Pai dela - que fazemos questão absoluta de ir visitá-la, quando vamos para lá, na Freguesia chamada Safurdão, Concelho de Pinhel, na Beira Alta.
            Ela já está com idade avançada – talvez beirando os noventa – e por isso, ela e o marido passam o dia todo numa casa de idosos e à noite vão para a casa de um dos três filhos. Uma Van vai buscá-los cedinho, para os filhos irem ao trabalho e no começo da noite a Van vai levá-los em casa. Eles tomam o “pequeno almoço”, o almoço e jantar lá na casa de repouso. Ela usa um andador, mas consegue se mover sozinha, embora com dificuldade! Ele, infelizmente, sofreu um AVC no início do ano e ainda estava hospitalizado e desta vez não o vimos. Todas as vezes que fomos visitá-la, ela sempre faz muita festa para minha esposa e pergunta pelos parentes que moram aqui no Brasil.
            Por coincidência, eles têm uma sobrinha – casada com o sobrinho deles – que trabalha lá na casa de idosos. É uma das cozinheiras. Isto ajuda muito, porque eles acabam ganhando um pouco mais de carinho. Ela mora bem perto da aldeia, trabalha como cozinheira, mas também ajuda o marido que cria algumas vacas e cultiva algumas frutas e verduras. Moram numa casa grande e boa e tem um bom pedaço de terra para os animais.
            Desta última vez, quando chegamos lá na casa para visitar a Tia, a nossa prima Cozinheira, estava de folga naquele dia. Então uma das colegas dela, disse que ia avisá-la, para ela ir nos ver, enquanto estávamos lá com a Tia. Tocou... tocou... o telemóvel não atendeu! Telemóvel lá em Portugal é o que chamamos de celular aqui no Brasil. Como ela tinha o número do telemóvel do marido, resolveu ligar para ele. Quem atendeu foi a Cozinheira. Ela então disse que queria mesmo falar era com ela, pois estávamos lá visitando a Tia. E perguntou porque não atendeu o telemóvel. Ela então explicou que, como estava de folga, foi ajudar o marido nos serviços com os animais e que uma vaca tinha fugido do cercado. Ela então correu atrás da vaca, com o telemóvel no bolso, no meio do pasto, que nesta época do ano – final da primavera – está alto e espesso. Não é que o telemóvel caiu no meio do pasto? Então ela tinha ido pegar o telemóvel do marido, para ligar no telemóvel dela e descobrir onde ele havia caído, quando tocasse. E emendou, não deve estar por aqui, pois se você me ligou e eu não ouvi deve estar mais adiante... Desculpe-me, vou procurá-lo!

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Crônica 3 Luso-nipo-brasilidade JCN


Novamente vou postar uma crônica do meu amigo Transmontano, pois como gosto muito de lê-las, acredito que vocês também gostem.
            Essa já foi publicada em 2008, pela Revista Mundo OK, da comunidade nikkey, mas é uma aula de história.  Vale à pena ler:
                       
      Ao folhear uma edição desta revista – Mundo OK - talvez a de junho de 2008, meu amigo Trasmontano – é assim que ele gosta de ser chamado, por haver nascido em Trás-os-Montes, Portugal – deparou-se com o título acima, e com o diagrama ao lado,  num anúncio institucional de uma mercearia de produtos orientais, com um nome que também lhe havia chamado à atenção: LISTOKYO. O anúncio era uma homenagem aos 100 anos da imigração japonesa no Brasil, e a mercearia, pelo logotipo e nome, evidenciava uma associação luso-nipônica.

      Meu amigo já havia lido muito sobre o importante papel da imigração japonesa no Brasil, bem como sobre a extraordinária generosidade deste país em acolher imigrantes de todos os cantos do mundo. Ele próprio   é um beneficiário dessa magnanimidade e, por coincidência, casado com uma nissei, confirmando,  assim, a vocação lusa para a miscigenação global. E o relacionamento com os japoneses, ao contrário do que muitos possam pensar, vem desde há mais de 5 séculos. Afinal, todos sabem que os portugueses foram os primeiros imigrantes colonizadores a aportarem por aqui, em 1500, mas poucos sabem que também eles foram os primeiros europeus a entrar no Japão, alguns anos depois, em 1543, aportando em Tanegashima, no período Edo. Ao contrário dos objetivos no Brasil – tomar posse e colonizar este país – os lusos apenas buscavam o contato e as trocas comerciais, bem como  a propagação da religião católica, através dos missionários jesuítas, cujo nome mais conhecido é o do Padre Francisco Xavier. A estada dos portugueses em terras nipônicas foi curta, mas intensa, até 1639 - menos de 100 anos – quando o Japão voltou a fechar os portos para todos os estrangeiros. Mas, durante esse quase um século, os lusitanos introduziram o conhecimento do que era mais moderno na Europa, como as técnicas de metal na indústria naval, as armas de fogo, vidro, relógio, lã, farmacêutica, a impressão tipográfica, a pintura a óleo, os novos métodos da matemática, da geografia, da filosofia e literatura ocidentais, e um dicionário de japonês-português, o primeiro do idioma nativo com outra língua estrangeira. Na época, cerca de 4.000 palavras de origem portuguesa passaram a ser utilizadas no cotidiano dos japoneses. Estima-se que tenham sobrevivido cerca de 400, incorporadas ao idioma atual. Em 1585, 4 nobres japoneses – Manjo Ito, Miguel Chijiwa, Martino Hara e Julian Nakaura - foram escolhidos para irem a Portugal e Roma. Seriam os primeiros japoneses a entrarem na Europa. Com o fechamento dos portos, Portugal e Japão só voltariam a ter relações formais a partir do Tratado de Paz, Amizade e Comércio, firmado em 1860 pelos dois países.

     A História quis que, em 1908, quase 500 anos depois, coubesse aos japoneses descobrirem o Brasil, como o novo país do futuro e da esperança, e aqui reencontrarem os portugueses em busca do mesmo porvir. Ainda que ambos aqui estivessem na condição de imigrantes, a integração ao modus vivendi do Brasil, seria bem mais difícil aos japoneses, vivendo quase segregados por mais de 50 anos, com costumes e idioma quase impenetráveis pelos ocidentais. Silenciosamente, eles formaram um dos grupos de imigrantes que mais contribuiram com este país. Além do benefício da língua, os portugueses não encontraram  dificuldades em adaptar-se à nova terra,  já que, de certa forma, aqui eram seguidos os padrões culturais deixados, em grande medida, por seus antepassados colonizadores. O perfil de todos os imigrantes - embora de multiplicidade cultural, social, racial e religiosa – tem algo em comum: quase todos humildes, de regiões pobres em seus países de origem, e em busca de oportunidades de um futuro melhor para si e, principalmente, para seus filhos. Não importa de que país eles tenham vindo,   todos encontraram no Brasil um país acolhedor e receptivo à integração dos que aqui chegaram, de forma transitória ou definitiva. Mas demorou muito para que os japoneses aceitassem ou procurassem essa integração, quer fosse pela sua índole recatada e ainda submissa à cultura de fidelidade política ao Imperador e ao seu país, quer fosse pelas dificuldades que lhes eram impostas pelo Estado Novo, durante o período de Getúlio Vargas, face ao papel do Japão na Segunda Guerra Mundial. Foi só a partir dos anos 1960 – quase duas gerações depois -  que a comunidade japonesa começou timidamente a integrar-se ao mundo “gaijin”, permitindo que seus filhos, nisseis, e sanseis, fossem assumindo, gradativamente, relacionamentos e atividades com todas as  raças e nacionalidades que cabem neste país. O meu amigo Trasmontano, um pouco mais de 40 anos atrás, teve dois nisseis  como seus professores de português, num antigo Curso de Madureza, e seria  um dos primeiros felizardos a casar-se com uma nissei , e a entrar nesse mundo  da família oriental, de onde, uma vez dentro, não mais se quer sair.

      Já estamos na geração yonsei e go-sei (quarta e quinta gerações), e a presença japonesa no Brasil deixou de ser silenciosa  e discreta para tornar-se – como os demais imigrantes e seus descendentes – parte do cotidiano, explícita e indispensável em qualquer atividade do país: no campo social, na política, na indústria, na agricultura, no comércio, no magistério, na culinária, em serviços, e na miscigenação familiar. Hoje fazem parte do grande caldeirão miscigeno-cultural em que se transformou o Brasil. Eles freqüentam as igrejas cristãs, os estádios esportivos, as baladas, os teatros, os cinemas, a praia, as escolas de samba; são amantes do  churrasco, da feijoada, da caipirinha, do vinho, da bacalhoada, do acarajé, da macarronada, da pizza, do kibe e da paella. Simultaneamente, os ocidentais – cada vez em maior quantidade – buscam os templos de religiões orientais, a prática das artes marciais, a serenidade da ioga, os restaurantes e sushi-bares japoneses –  quase tantos quantas as churrascarias, em São Paulo -  incentivam os relacionamentos afetivo-familiares; incorporam centenas de palavras japonesas ao linguajar do dia-a-dia. Há até mesmo uma nada desprezível onda  de emigração, às avessas, de brasileiros para Portugal e para o Japão. E o meu amigo Trasmontano olha para sua mulher e seu filho, de traços também orientais, e vê fechar-se o último vértice do triângulo luso-nipo-brasileiro com uma constatação irrefutável: o Brasil é o maior país português fora de Portugal, e o maior país japonês fora do Japão.

JCN – NOV/2008

Publicado na revista Mundo OK, da comunidade nikkey.

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Causo 65 Delícia de Salmão...



Nicanor de Freitas Filho
            Em 1993, eu trabalhava como Gerente de Exportação de uma Fábrica de Cadernos Escolares e a filha de um amigo me perguntou se tinha como admitir uma amiga dela, que acabava de chegar da Inglaterra, onde tinha ficado um bom tempo estudando, falava mais duas línguas, além do Português. Não tinha vaga no meu Departamento, mas consegui contratá-la inicialmente como Estagiária e em seguida foi efetivada, como Assistente de Exportação.
            É uma das pessoas, com quem trabalhei, das mais eficientes. Tinha um probleminha: não chegava na hora nem a porrete! Mas em compensação, em uma hora ela fazia muito mais que muitos outros em 8 horas diárias. O tempo que ficou comigo me ajudou muito. Tanto que somos amigos até hoje e quando ela vem ao Brasil, vem em casa nos visitar. E nós também já fomos visitá-la, em Barcelona, onde vive hoje.
            O que acontece é que ela tinha ido para Inglaterra para estudar por 6 meses. Passado o período do intercâmbio, ela continuou por lá, mesmo estando, digamos, sem condições legais. Então nesse período ela conseguia se manter com trabalhos informais, como “baby-siter”. E esperta como ela é, conseguiu “cativar” algumas famílias que se tornaram “clientes cativos”, ou seja, quando precisavam a chamava.
Segundo ela contou, tinha um casal, que gostava de sair à noite e tinha um filho de 2 anos que se dava muito bem com ela. Então sempre que saiam, chamavam minha amiga para ficar com o garotinho. E muitas vezes ela acabava dormindo na casa deles, porque voltavam tarde, já de madrugada.  Mas a senhora tinha total confiança nela e dizia para ela fazer a ceia, comer direito e o filho indo dormir ela também poderia dormir. E recomendava, tem tais e tais coisas na geladeira, pode pegar à vontade e comer.
            Numa noite em que foi trabalhar, já foi prevenida que eles voltariam de madrugada. Ela então deveria fazer sua janta, logo que o menino dormisse. Quando ela abriu a geladeira, tinha um lindo filé de salmão ali, piscando para ela. Ela não titubeou, jogou o filé de salmão na frigideira com um pouco de manteiga e fez aquela "peixada"! Comeu bem, ficou satisfeita e foi dormir. Na manhã do dia seguinte, quando ela se levantou, aguardou sua senhoria levantar para acertarem as contas. Feito isto a senhora quis saber se correu tudo bem, se ela tinha comido bem. Ela disse que sim, que havia jantado um delicioso filé de salmão que estava na geladeira! Nisto a senhora com a cara de espanto disse: “- Mas você foi comer justo o salmão do meu gato? É comida especial para gato!!” He He He He He