quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Crônica 3 Luso-nipo-brasilidade JCN


Novamente vou postar uma crônica do meu amigo Transmontano, pois como gosto muito de lê-las, acredito que vocês também gostem.
            Essa já foi publicada em 2008, pela Revista Mundo OK, da comunidade nikkey, mas é uma aula de história.  Vale à pena ler:
                       
      Ao folhear uma edição desta revista – Mundo OK - talvez a de junho de 2008, meu amigo Trasmontano – é assim que ele gosta de ser chamado, por haver nascido em Trás-os-Montes, Portugal – deparou-se com o título acima, e com o diagrama ao lado,  num anúncio institucional de uma mercearia de produtos orientais, com um nome que também lhe havia chamado à atenção: LISTOKYO. O anúncio era uma homenagem aos 100 anos da imigração japonesa no Brasil, e a mercearia, pelo logotipo e nome, evidenciava uma associação luso-nipônica.

      Meu amigo já havia lido muito sobre o importante papel da imigração japonesa no Brasil, bem como sobre a extraordinária generosidade deste país em acolher imigrantes de todos os cantos do mundo. Ele próprio   é um beneficiário dessa magnanimidade e, por coincidência, casado com uma nissei, confirmando,  assim, a vocação lusa para a miscigenação global. E o relacionamento com os japoneses, ao contrário do que muitos possam pensar, vem desde há mais de 5 séculos. Afinal, todos sabem que os portugueses foram os primeiros imigrantes colonizadores a aportarem por aqui, em 1500, mas poucos sabem que também eles foram os primeiros europeus a entrar no Japão, alguns anos depois, em 1543, aportando em Tanegashima, no período Edo. Ao contrário dos objetivos no Brasil – tomar posse e colonizar este país – os lusos apenas buscavam o contato e as trocas comerciais, bem como  a propagação da religião católica, através dos missionários jesuítas, cujo nome mais conhecido é o do Padre Francisco Xavier. A estada dos portugueses em terras nipônicas foi curta, mas intensa, até 1639 - menos de 100 anos – quando o Japão voltou a fechar os portos para todos os estrangeiros. Mas, durante esse quase um século, os lusitanos introduziram o conhecimento do que era mais moderno na Europa, como as técnicas de metal na indústria naval, as armas de fogo, vidro, relógio, lã, farmacêutica, a impressão tipográfica, a pintura a óleo, os novos métodos da matemática, da geografia, da filosofia e literatura ocidentais, e um dicionário de japonês-português, o primeiro do idioma nativo com outra língua estrangeira. Na época, cerca de 4.000 palavras de origem portuguesa passaram a ser utilizadas no cotidiano dos japoneses. Estima-se que tenham sobrevivido cerca de 400, incorporadas ao idioma atual. Em 1585, 4 nobres japoneses – Manjo Ito, Miguel Chijiwa, Martino Hara e Julian Nakaura - foram escolhidos para irem a Portugal e Roma. Seriam os primeiros japoneses a entrarem na Europa. Com o fechamento dos portos, Portugal e Japão só voltariam a ter relações formais a partir do Tratado de Paz, Amizade e Comércio, firmado em 1860 pelos dois países.

     A História quis que, em 1908, quase 500 anos depois, coubesse aos japoneses descobrirem o Brasil, como o novo país do futuro e da esperança, e aqui reencontrarem os portugueses em busca do mesmo porvir. Ainda que ambos aqui estivessem na condição de imigrantes, a integração ao modus vivendi do Brasil, seria bem mais difícil aos japoneses, vivendo quase segregados por mais de 50 anos, com costumes e idioma quase impenetráveis pelos ocidentais. Silenciosamente, eles formaram um dos grupos de imigrantes que mais contribuiram com este país. Além do benefício da língua, os portugueses não encontraram  dificuldades em adaptar-se à nova terra,  já que, de certa forma, aqui eram seguidos os padrões culturais deixados, em grande medida, por seus antepassados colonizadores. O perfil de todos os imigrantes - embora de multiplicidade cultural, social, racial e religiosa – tem algo em comum: quase todos humildes, de regiões pobres em seus países de origem, e em busca de oportunidades de um futuro melhor para si e, principalmente, para seus filhos. Não importa de que país eles tenham vindo,   todos encontraram no Brasil um país acolhedor e receptivo à integração dos que aqui chegaram, de forma transitória ou definitiva. Mas demorou muito para que os japoneses aceitassem ou procurassem essa integração, quer fosse pela sua índole recatada e ainda submissa à cultura de fidelidade política ao Imperador e ao seu país, quer fosse pelas dificuldades que lhes eram impostas pelo Estado Novo, durante o período de Getúlio Vargas, face ao papel do Japão na Segunda Guerra Mundial. Foi só a partir dos anos 1960 – quase duas gerações depois -  que a comunidade japonesa começou timidamente a integrar-se ao mundo “gaijin”, permitindo que seus filhos, nisseis, e sanseis, fossem assumindo, gradativamente, relacionamentos e atividades com todas as  raças e nacionalidades que cabem neste país. O meu amigo Trasmontano, um pouco mais de 40 anos atrás, teve dois nisseis  como seus professores de português, num antigo Curso de Madureza, e seria  um dos primeiros felizardos a casar-se com uma nissei , e a entrar nesse mundo  da família oriental, de onde, uma vez dentro, não mais se quer sair.

      Já estamos na geração yonsei e go-sei (quarta e quinta gerações), e a presença japonesa no Brasil deixou de ser silenciosa  e discreta para tornar-se – como os demais imigrantes e seus descendentes – parte do cotidiano, explícita e indispensável em qualquer atividade do país: no campo social, na política, na indústria, na agricultura, no comércio, no magistério, na culinária, em serviços, e na miscigenação familiar. Hoje fazem parte do grande caldeirão miscigeno-cultural em que se transformou o Brasil. Eles freqüentam as igrejas cristãs, os estádios esportivos, as baladas, os teatros, os cinemas, a praia, as escolas de samba; são amantes do  churrasco, da feijoada, da caipirinha, do vinho, da bacalhoada, do acarajé, da macarronada, da pizza, do kibe e da paella. Simultaneamente, os ocidentais – cada vez em maior quantidade – buscam os templos de religiões orientais, a prática das artes marciais, a serenidade da ioga, os restaurantes e sushi-bares japoneses –  quase tantos quantas as churrascarias, em São Paulo -  incentivam os relacionamentos afetivo-familiares; incorporam centenas de palavras japonesas ao linguajar do dia-a-dia. Há até mesmo uma nada desprezível onda  de emigração, às avessas, de brasileiros para Portugal e para o Japão. E o meu amigo Trasmontano olha para sua mulher e seu filho, de traços também orientais, e vê fechar-se o último vértice do triângulo luso-nipo-brasileiro com uma constatação irrefutável: o Brasil é o maior país português fora de Portugal, e o maior país japonês fora do Japão.

JCN – NOV/2008

Publicado na revista Mundo OK, da comunidade nikkey.

3 comentários:

  1. Sou testemunha ocular dessa hiistória.
    Convivi com a colonia Japonesa por largo tempo e acompanhei essa lenta e firme integração.
    (minha industria,onde tive o prazer de trabalhar com o Freitas, ficava no Alto Tiete)
    Quanto a Portuguesa, sou praticamente parte dela, pelo sangue de um menino de Leiria que corre pelas minhas coronárias!

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    1. Caro amigo "anônimo" (se fôsse Natal, seria Secreto), mas não é nenhum dos dois. Ambos sabemos quem somos, e de onde viemos. O meu amigo Trasmontano é um andarilho: andarilhou por Trás-os-Montes, por Leiria, pelo Japão, e pelo Brasil, nos últimos 67 anos, e se se orgulha muito de ser uma síntese dos 3 países. Ao Freitas, o meu agradecimento por mais uma vez ceder o espaço do seu blog ao meu amigo, e por trazer-lhe outros amigos. Abraços a ambos. 12/10/12.

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    2. Muito obrigado pelo comentário! Meu primeiro contato em São Paulo foi com a Colônia Japonesa, pois vim trabalhar na Cooperativa Agrícola de Cotia, onde aprendi muito da cultura japonesa e muito me ajudou.

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Obrigado pelo seu comentário! É sempre muito bem vindo.
Nicanor de Freitas Filho