José Gamaliel Anchieta Ramos
Há pouco tempo fiz amizade com o irmão de um ex-colega de
escola. Em seu blog, com regularidade, posta contos e crônicas. Outro dia
mesmo, fez uma cobrança séria, imediatamente o atendi com dois de meus contos
que já tinham sido publicados. Ele agradeceu, mas pediu outros.
Uma semana depois, publiquei algo no Facebook pela
passagem de seu aniversário. A resposta tão logo veio: “Muito obrigado pelas
felicitações, mas me mande suas memórias para o blog, porque não estou
conseguindo escrever. Abraços”!
Eu concordo com o amigo, são
enormes as dificuldades encontradas para a produção de textos, às vezes nem
começo, noutras não vou ao fim. Além de ser grande sacrifício ficar bom tempo
com a bunda grudada na cadeira, essa empreitada desafiadora exige o preparo
intelectual adquirido com muita leitura, coragem e toda concentração. E foi
então que, mesmo sendo algo complicado, entre uma ideia e outra, tive a
iniciativa de me perguntar, por que não devo comentar sobre estas irmãs gêmeas?
Leitura e escrita, ambas têm seus méritos, por serem
edificantes e úteis, embora a responsabilidade do leitor seja quase sempre
menor.
Livros, de autores que sabem fazer literatura, dizem
tudo. Alguns chegam a ser estudados
profundamente, a fim de que haja o maior entendimento do sentido de tudo que
eles contêm, como as Escrituras Sagradas, O Capital de Karl Marx e O Livro dos
Espíritos de Allan Kardec. Destes, compreenderão todos os textos os estudiosos
se possuírem entendimentos especializados que fazem parte da base de
conhecimentos e dos conceitos da história humana.
Para uma leitura sem compromisso não se escolhe muito o
lugar, busu, escritório ou em casa. Varanda, sala e quarto. Na cama, deitado, é
uma das três melhores coisas para serem feitas. Com os olhos abertos,
semicerrados, com um só, caindo de sono. Não tem problema quando for
interrompida pela soneca. E até o vaso serve, se o local for o banheiro. Para
fazer a número dois alguns não desprezam o auxílio de um livro ou revista.
A maior intensidade de leitura faz melhorar meu nível de
compreensão e a capacidade de interpretar os textos. É uma tristeza descobrir
alfabetizados incapazes de entenderem o sentido das linhas e entrelinhas, pessoas
que enxergam, mas nada decifram na claridade do meio-dia.
Leitor, minha dificuldade em preencher essas páginas em
branco é maior que a sua, porque a escrita não se faz de imediato, em dois
tempos. Mas o exercício diário de escrever é algo que faz toda a diferença,
assim como o de outras atividades, inclusive o da leitura.
O que ora faço pouco representa diante de uma elaborada
obra com inúmeras páginas, que necessita da montagem de um verdadeiro processo
para a execução de algo infinitamente mais complexo. Os personagens criados
pelos verdadeiros artistas, que povoam a sua vida naquele momento de solidão,
retiram de dentro dele tudo o que existe de bom e ruim.
Meus escritos podem agradar muito aos familiares e
amigos, o que não acontecerá se cairem nas mãos de leitores críticos. Os mais
conscientes certamente me darão muitas orientações, porque vão apontar meus
pontos fracos e, irão dizer se a linguagem empregada está coerente com todos os
elementos da trama.
É fácil reconhecer a pessoa realmente letrada que
praticou a leitura e a escrita durante toda sua vida, percebe-se de imediato
que ela não se limitou a ficar enjaulada dentro dos muros da escola, somente
nas aulas do bê-á-bá e de português.
O leitor capaz percebe, de modo ativo e flexível, a inexistência
da verdade estável, independente, ao constatar as belas lições que estão soltas
no mundo prontas para ser nossas.
Já é muito diferente a rigorosa missão de escrever, exige
isolamento, dedicação e método. Tanto quem o faz sem sofrimento ou com todo
embaraço, seja desconhecido ou celebridade, não pode realizá-la em qualquer
canto. Para exercer sua brilhante vocação de poeta, o chileno Neftalí Ricardo
Reyes Basoalto, Prêmio Nobel de Literatura em 1971, muito conhecido como Pablo
Neruda, em Isla Negra, à Beira do Pacífico, construiu um de seus refúgios numa
casa em forma de barco, onde mergulhava no seu mundo para a descoberta de
outros.
O escritor deve estar bem acordado, ao contrário de quem
lê, às vezes passa da hora de ir ao banheiro, e por noites em claro ocupado no
registro das ideias que pipocam a todo instante.
A palavra escrita fica como prova e traz desdobramentos.
Em 2009, com base em um trecho do livro de uma atriz global, uma autarquia
vinculada à Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, tentou suspender o
benefício de treze mil reais, mensalmente pago a ela. Quando disse que por 12
anos tinha vivido em relação estável, deu a corda para ser enforcada. Além
desse caso exemplificado, dentre os vários tipos de riscos que corre uma publicação,
a aceitação da crítica pode afastar ou aproximar o público da obra.
Bariani Ortêncio no livro Cartilha do Pré-Escritor, em
suas 280 páginas, esmiúça tudo a respeito da insana batalha que é escrever,
publicar, editar e distribuir livros nesse país.
Os escritores são formados nos livros publicados. Demanda
muitos anos para a formação de um escritor, quanto mais páginas você publica
melhor será sua produção literária. De Machado de Assis é posto em destaque o
que fez a partir do décimo primeiro livro. Até este ponto da longa carreira
estava apenas adquirindo a experiência que veio trazer brilhantismo a sua obra.
Muito mais é necessário na criação e recriação de um
texto literário, que além de bem escrito também deve receber hábil acabamento,
saber ler e escrever não basta. Eu até posso ter como base os fatos reais,
porém não devo me esquecer da imaginação, dessa capacidade de criar, princípio
e fim de todas as ideias registradas nos livros. É tarefa difícil compor
personagens envolventes, histórias que contenham argumentos surpreendentes,
construir diálogos agradáveis, situações emocionantes, enfim, somente alguns
podem produzir uma trama irresistível capaz de sair vencedora numa concorrência
em que há milhares de autores mais conhecidos. E as maiores editoras só querem
livros dos consagrados, que tem toda a garantia de serem vendidos.
Fafão de Azevedo (1951-2009), por 25 anos funcionário de
carreira do Banco do Brasil, Matemático formado pela UnB, foi autor de sete
livros, cinco de crônicas populares e dois infanto-juvenis. Quem fez tudo isso
sem reclamações, com humor invejável, é bom que se diga, era cadeirante. Quando
o conheci, mostrei que eu não seria tão audaz, nem tinha como ele a incrível
disposição para vender a produção independente, pois ser escritor somente já
achava muito difícil. Então, abriu numa página de seu livro e apontou este
trecho de sua crônica: “Essa vidinha de escritor é muito sacrificada”. Em
seguida, outro: “Quem sabe seu mal não seja essa sua preguiça de encarar a
nossa verdadeira realidade de escritores? Vai lá, coragem!”.
Na explicação desse ser humano admirável há o que também
ensinam nas reuniões das casas kardecistas. Lá, os espíritas mineiros
inventaram uma nova doença: “muquerela”, tomando emprestadas as primeiras
letras das palavras, murmúrios, queixas, reclamações e lamentações.
Para o combate deste mal, que traz mais peso, motiva o pessimismo, desgasta as
energias, confunde o raciocínio e abriga o desânimo, eles recomendam: trabalho,
disciplina, oração, coragem, esforço, persistência e boca fechada.
Agora vou confessar uma coisa, você não sabe o quanto eu
ainda sofro para vencer minhas “muquerelas”! Amigo, depois de ter tentado
superar esses meus desalentos, é bom que eu não escreva mais, pare nestas
linhas, porque já tenho uma crônica para ser publicada em seu blog.
Ufa!