domingo, 9 de março de 2014

Crônica 19 Leitura e Escrita

José Gamaliel Anchieta Ramos
            Há pouco tempo fiz amizade com o irmão de um ex-colega de escola. Em seu blog, com regularidade, posta contos e crônicas. Outro dia mesmo, fez uma cobrança séria, imediatamente o atendi com dois de meus contos que já tinham sido publicados. Ele agradeceu, mas pediu outros.
            Uma semana depois, publiquei algo no Facebook pela passagem de seu aniversário. A resposta tão logo veio: “Muito obrigado pelas felicitações, mas me mande suas memórias para o blog, porque não estou conseguindo escrever. Abraços”!
Eu concordo com o amigo, são enormes as dificuldades encontradas para a produção de textos, às vezes nem começo, noutras não vou ao fim. Além de ser grande sacrifício ficar bom tempo com a bunda grudada na cadeira, essa empreitada desafiadora exige o preparo intelectual adquirido com muita leitura, coragem e toda concentração. E foi então que, mesmo sendo algo complicado, entre uma ideia e outra, tive a iniciativa de me perguntar, por que não devo comentar sobre estas irmãs gêmeas?
            Leitura e escrita, ambas têm seus méritos, por serem edificantes e úteis, embora a responsabilidade do leitor seja quase sempre menor.
            Livros, de autores que sabem fazer literatura, dizem tudo.  Alguns chegam a ser estudados profundamente, a fim de que haja o maior entendimento do sentido de tudo que eles contêm, como as Escrituras Sagradas, O Capital de Karl Marx e O Livro dos Espíritos de Allan Kardec. Destes, compreenderão todos os textos os estudiosos se possuírem entendimentos especializados que fazem parte da base de conhecimentos e dos conceitos da história humana.
            Para uma leitura sem compromisso não se escolhe muito o lugar, busu, escritório ou em casa. Varanda, sala e quarto. Na cama, deitado, é uma das três melhores coisas para serem feitas. Com os olhos abertos, semicerrados, com um só, caindo de sono. Não tem problema quando for interrompida pela soneca. E até o vaso serve, se o local for o banheiro. Para fazer a número dois alguns não desprezam o auxílio de um livro ou revista.
            A maior intensidade de leitura faz melhorar meu nível de compreensão e a capacidade de interpretar os textos. É uma tristeza descobrir alfabetizados incapazes de entenderem o sentido das linhas e entrelinhas, pessoas que enxergam, mas nada decifram na claridade do meio-dia.
            Leitor, minha dificuldade em preencher essas páginas em branco é maior que a sua, porque a escrita não se faz de imediato, em dois tempos. Mas o exercício diário de escrever é algo que faz toda a diferença, assim como o de outras atividades, inclusive o da leitura.
            O que ora faço pouco representa diante de uma elaborada obra com inúmeras páginas, que necessita da montagem de um verdadeiro processo para a execução de algo infinitamente mais complexo. Os personagens criados pelos verdadeiros artistas, que povoam a sua vida naquele momento de solidão, retiram de dentro dele tudo o que existe de bom e ruim.
            Meus escritos podem agradar muito aos familiares e amigos, o que não acontecerá se cairem nas mãos de leitores críticos. Os mais conscientes certamente me darão muitas orientações, porque vão apontar meus pontos fracos e, irão dizer se a linguagem empregada está coerente com todos os elementos da trama.
            É fácil reconhecer a pessoa realmente letrada que praticou a leitura e a escrita durante toda sua vida, percebe-se de imediato que ela não se limitou a ficar enjaulada dentro dos muros da escola, somente nas aulas do bê-á-bá e de português. 
            O leitor capaz percebe, de modo ativo e flexível, a inexistência da verdade estável, independente, ao constatar as belas lições que estão soltas no mundo prontas para ser nossas.
            Já é muito diferente a rigorosa missão de escrever, exige isolamento, dedicação e método. Tanto quem o faz sem sofrimento ou com todo embaraço, seja desconhecido ou celebridade, não pode realizá-la em qualquer canto. Para exercer sua brilhante vocação de poeta, o chileno Neftalí Ricardo Reyes Basoalto, Prêmio Nobel de Literatura em 1971, muito conhecido como Pablo Neruda, em Isla Negra, à Beira do Pacífico, construiu um de seus refúgios numa casa em forma de barco, onde mergulhava no seu mundo para a descoberta de outros.
            O escritor deve estar bem acordado, ao contrário de quem lê, às vezes passa da hora de ir ao banheiro, e por noites em claro ocupado no registro das ideias que pipocam a todo instante.
            A palavra escrita fica como prova e traz desdobramentos. Em 2009, com base em um trecho do livro de uma atriz global, uma autarquia vinculada à Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, tentou suspender o benefício de treze mil reais, mensalmente pago a ela. Quando disse que por 12 anos tinha vivido em relação estável, deu a corda para ser enforcada. Além desse caso exemplificado, dentre os vários tipos de riscos que corre uma publicação, a aceitação da crítica pode afastar ou aproximar o público da obra.
            Bariani Ortêncio no livro Cartilha do Pré-Escritor, em suas 280 páginas, esmiúça tudo a respeito da insana batalha que é escrever, publicar, editar e distribuir livros nesse país.
            Os escritores são formados nos livros publicados. Demanda muitos anos para a formação de um escritor, quanto mais páginas você publica melhor será sua produção literária. De Machado de Assis é posto em destaque o que fez a partir do décimo primeiro livro. Até este ponto da longa carreira estava apenas adquirindo a experiência que veio trazer brilhantismo a sua obra.
            Muito mais é necessário na criação e recriação de um texto literário, que além de bem escrito também deve receber hábil acabamento, saber ler e escrever não basta. Eu até posso ter como base os fatos reais, porém não devo me esquecer da imaginação, dessa capacidade de criar, princípio e fim de todas as ideias registradas nos livros. É tarefa difícil compor personagens envolventes, histórias que contenham argumentos surpreendentes, construir diálogos agradáveis, situações emocionantes, enfim, somente alguns podem produzir uma trama irresistível capaz de sair vencedora numa concorrência em que há milhares de autores mais conhecidos. E as maiores editoras só querem livros dos consagrados, que tem toda a garantia de serem vendidos.
            Fafão de Azevedo (1951-2009), por 25 anos funcionário de carreira do Banco do Brasil, Matemático formado pela UnB, foi autor de sete livros, cinco de crônicas populares e dois infanto-juvenis. Quem fez tudo isso sem reclamações, com humor invejável, é bom que se diga, era cadeirante. Quando o conheci, mostrei que eu não seria tão audaz, nem tinha como ele a incrível disposição para vender a produção independente, pois ser escritor somente já achava muito difícil. Então, abriu numa página de seu livro e apontou este trecho de sua crônica: “Essa vidinha de escritor é muito sacrificada”. Em seguida, outro: “Quem sabe seu mal não seja essa sua preguiça de encarar a nossa verdadeira realidade de escritores? Vai lá, coragem!”.
            Na explicação desse ser humano admirável há o que também ensinam nas reuniões das casas kardecistas. Lá, os espíritas mineiros inventaram uma nova doença: “muquerela”, tomando emprestadas as primeiras letras das palavras, murmúrios, queixas, reclamações e lamentações. Para o combate deste mal, que traz mais peso, motiva o pessimismo, desgasta as energias, confunde o raciocínio e abriga o desânimo, eles recomendam: trabalho, disciplina, oração, coragem, esforço, persistência e boca fechada. 
            Agora vou confessar uma coisa, você não sabe o quanto eu ainda sofro para vencer minhas “muquerelas”! Amigo, depois de ter tentado superar esses meus desalentos, é bom que eu não escreva mais, pare nestas linhas, porque já tenho uma crônica para ser publicada em seu blog.
Ufa!

13 comentários:

  1. Reflexão... Todos nós temos nossos momentos de MUQUERELAS... Cabe à nós aprendermos com a vida e deixar o que há de mal para trás e carregar conosco apenas o melhor... Abçs VLMR - Maria Arteira

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    1. Vera, muito obrigado pelo comentário. É sempre bom saber que tem gente lendo.
      O Gamaliel soube colocar muito bem os problemas que temos, para "administrar" as muquerelas e muitas vezes são mesmo desgastantes. Eu estou começando agora, aos 70 anos, a entender melhor isso. Algumas coisinhas já deixo passar, fazendo de conta que não é comigo...

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  2. Querido amigo
    Esteja certo que suas crônicas são muito mais do que satisfatórias, são deliciosas de ler. Para quem leu O Nome da Rosa de Umberto Eco, o velho monge cego Jorge, cheio de rancores envenena as páginas da unica cópia do livro perdido de Aristóteles sobre o riso. seus argumentos são de que o riso transforma os homens em animais comparando o riso ao esgar dos macacos. Essa estória é contrária ao grande gênio medieval de Rabelais que dizia que é melhor rir di que chorar, pois rir é próprio do Ser Humano. Pois o senso de Humor e o sorrir nos trazem mais perto de Deus, pois Deus é amor e amor é paz e felicidade.
    Abraços
    Celso Ferrarini

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    1. Caro Celso, muito obrigado pelo seu comentário. Muito bom ler um comentário assim, pois todas as postagens no meu blog são de pessoas que não são jornalistas, nem escritores profissionais, apenas que gostam de escrever. E sempre sai assim alguma coisa muito boa.
      Depois dos 70 anos, a gente começa a entender que essa coisa de reclamar de tudo é mesmo coisa do diabo. O melhor é fazer de conta que não ouviu ou não viu e como você sugere: SORRIA!! Pois também acredito que o sorrir nos traz mesmo mais perto de Deus, sem dúvida!
      Abraços
      Nicanor

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  3. Freitas/Gamaliel
    Brilhante reflexão sobre os atos de ler e escrever. Nem conheço o Gamaliel, mas juro que eu pensei que ele estava escrevendo sobre as minhas angústias quando me proponho a praticar este ato humano, quase em extinção, de "ler e escrever; escrever e ler", embora sem o brilho que ele dá ao seu texto. A referência ao vaso é perfeita para mim, pois a minha fisiologia só funciona com uma boa dose de laxante literário. E a "muquerela" mineira é prima bem próxima da minha melancolia lusitana. Gamaliel, obrigado pela defesa dos escribas que buscam a melhor palavra, sem a certeza de que possam algum dia encontrá-la. Que sigam buscando! Um abraço - José Carlos.

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    1. Zéca, partindo de você, este comentário, fico muito lisonjeado. Vou tentar explicar ao Gamaliel, depois - pois ele não o conhece - quem é você e como pensa e escreve. Aliás, como escreve ele já sabe, pois tem lido suas crônicas. Estou muito feliz com meus colaboradores. O problema é que estou ficando preguiçoso, pois sei que sempre terei um amigo ou familiar que vai me ajudar com um bom texto!
      Muito obrigado pela sua participação!
      Abraços
      Freitas

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  4. “Trabalho, disciplina, oração, coragem, esforço, persistência e boca fechada.” Deixo bem claro que agrego à disciplina, meditação.
    Eis o antídoto para as “muquerelas”. Lendo, escrevendo ou pensando, só o fazemos bem se estivermos no presente, e num estado tal de serenidade, que não se torna difícil entender que menos mal faz o silêncio, e por vezes traduz melhor nossos sentimentos. Lidar com a complexidade que é a vida, exige combate às “muquerelas”, por uma vida SAUDAVEL, que prioriza AMOR e FRATERNIDADE. Razão pela qual vivemos, sem exceção. E, deixando de lado as RELIGIÕES. Quem foge a esta regra, há de se permitir “muquerelas”.

    Abraços.
    Regina Coeli.

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    1. Regina, muito obrigado pelo seu comentário! É importante para mim que pessoas como você, pedagoga, que sabe extrair do texto o que realmente quis dizer, receba uma opinião abalizada.
      O seu antídoto para as muquerelas é perfeito!
      Abração

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  5. É... a arte de escrever não é privilégio de todos. Bela reflexão! Reconheço que sofro um pouco desta doença: "muquerela "
    Sucesso!
    Malu

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    1. Malu, não tem quem não sofra de "muquerelas". Por mais que nos vigiamos e precavemos, a vida de hoje não nos permite a tranquilidade. Mas como disse minha amiga Regina, o Amor e a Fraternidade, com uma boa dose diária de reflexões, amenizam muito as dores das "muquerelas".
      Abraço

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  6. Gostei da reflexão! Parabéns para o autor. Tereza Silva

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  7. O autor expressou com riqueza de detalhes, sua reflexão sobre "leitura e escrita".
    Está claro que a linguagem empregada é coerente com o contexto. Quanto à "muquerela", ela me ataca muito em decorrência do meu atual estilo de vida. Mas, hoje aprendi uma forma de combatê-la: "lendo e escrevendo mais...".
    Parabéns ao autor e obrigada pela ajuda.
    Maria de Fátima Lucas

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  8. O autor expressou com riqueza de detalhes, a sua reflexão sobre "leitura e escrita".
    Está claro que a linguagem empregada é coerente com o contexto. Quanto à "muquerela", ela me ataca muito em decorrência do meu atual estilo de vida. Mas, hoje aprendi uma forma de combatê-la: "lendo e escrevendo mais...". Parabéns ao autor e obrigada pela ajuda. Maria de Fátima Lucas

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Obrigado pelo seu comentário! É sempre muito bem vindo.
Nicanor de Freitas Filho