segunda-feira, 26 de março de 2012

Causo 41 Minha formação profissional - Ética

Nicanor de Freitas Filho
 Quando deixei de trabalhar com o Maroto, com 8 ou 9 anos, tinha que trabalhar em outra coisa, não podia ficar em casa à toa! Então a Suça (irmã da minha Mãe) conversou com uma amiga dela, que era da Casa São Jorge, e eu fui trabalhar lá, para fazer entregas. Enquanto não tinha encomenda, eu deveria varrer a loja, limpar os balcões, mas não devia mexer nas mercadorias, pois só as vendedoras sabiam arrumar. As vendedoras gostavam, ou tinham dó de mim e me ajudavam em tudo. Por exemplo, a loja tinha dado uns lápis de brinde, vermelhos, azuis e verdes, bonitos! Um dia uma vendedora estava me ajudando a limpar um balcão e estavam lá 3 daqueles lápis. Ela me perguntou se eu estava no Grupo Escolar. Ao responder afirmativamente, ela me disse, então leve os lápis para você estudar. Fiquei felicíssimo, pois só tinha tocos de lápis!  
Era uma loja que tinha de tudo, mas lembro-me que o mais forte eram os tecidos. Eles tinham duas lojas. A que eu trabalhava, que ficava no final da Rua Mariano de Ávila e tinham a nova que ficava na Rua Boa Vista, em frente ao grande Bar America, que segundo se dizia, tinha até jogo de cartas lá dentro.  Lembro-me só das mesas de sinuca, que ficavam no enorme salão, sempre movimentado, com os homens tomando cerveja.
Um dia eu estava varrendo debaixo dos armários, que ficavam atrás dos balcões, e os armários eram profundos, tive que me abaixar, praticamente deitar no chão para varrer bem lá no cantinho, e quando puxei a vassoura, veio junto uma bolinha de ping-pong, toda empoeirada e encardida, ou seja, denotava que estava ali perdida por muito tempo. Pensei comigo: - “Achei uma bolinha de ping-pong. Legal!” Coloquei-a no bolso da calça-curta, que pra variar, deveria ser velha, e estava com o bolso descosturado. Em seguida fui chamado para levar da loja velha para a nova, 5 metros de tecido, que uma freguesa tinha comprado lá, mas que só tinha no estoque da loja velha. Vá rápido que a freguesa está lá esperando, foi a ordem que recebi. A Rua Mariano de Ávila, de onde eu estava para a Rua Boa Vista, é uma subida. Saí da loja meio apressado e quando andei uns 30 ou 40 metros, a bolinha caiu do bolso descosturado. Eu tive que colocar o pacote no chão para pegar a bolinha. Peguei a bolinha e fui cumprir minha tarefa. Quando voltei, um dos filhos do dono da loja, me perguntou, assim no meio de todo mundo:
“ – O que foi que caiu do seu bolso, quando você saiu daqui para ir levar o tecido lá em cima?”
“ – Uma bolinha de ping-pong, ora!”
“ – Onde você arranjou esta bolinha?”
“ – Achei ali debaixo de um armário, mas é velha e encardida!”
“ – Então me dá ela aqui. Ela é velha e encardida mas é da loja.”
“ – Não! Não é da loja, pois a loja nem vende mais bolinha de ping-pong!”
“ – Agora acabou mas vendia até uns meses atrás. E tudo que está na loja é da loja! E a bolinha é da loja! Toma aqui seu dinheiro e não precisa mais vir trabalhar.”  Entregou-me algumas notas, que não sei dizer quanto era.
“ – Mas por quê?”
“ – Porque você pegou uma coisa que não era sua!”
“ – Mas eu achei a bolinha. Eu não roubei!”
“ – Você pode não ter roubado, mas tudo que está na loja é da loja e você não deve pegar. Até logo!”
Fui para casa e expliquei sem muito rodeio o que tinha acontecido. Mamãe me pegou sozinho e conversou muito comigo, me explicando que só é da gente o que compramos ou ganhamos. Mesmo que se ache alguma coisa que possa parecer que não vale nada, não é nossa. Portanto devemos entregar para o dono.
Foi minha segunda experiência profissional e ética! Tudo que não é meu, que eu não comprei, que eu não conquistei, não é meu! Ponto final! Quando vejo no noticiário, pessoas humildes que encontram pacote com dinheiro e devolvem aos donos, eu me lembro dessa primeira lição de ética que tive. Que pena que os atuais políticos brasileiros não tiveram tal lição!!

Um comentário:

  1. Como as coisas eram diferentes, né Tio? Tudo contadinho, material escasso, trabalho desde muito cedo... Construção de um grande caráter tem até bola de ping-pong! Rererererere...

    Abraços!

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Nicanor de Freitas Filho