terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Crônica 4 Urbi et Orbi


                                                  URBI   ET  ORBI

                                          Vai, pombo correio, leva esta mensagem ao rebanho de Deus;
                                                        Não te percas nos ares; não deixes que a Terra seja de Ateus.  (JCN)
                                                                                                                                                              
       “À Cidade (Roma) e ao Mundo”, assim poderia ser traduzido o título desta crônica. Assim são chamados os discursos e bênçãos do Papa quando fala aos católicos – e não tão católicos – desde o Vaticano. Como ele andou por aqui na semana passada, o meu amigo Trasmontano insistiu nesta crônica, e com este  título mais uma vez em latim, como em alguns textos mais recentes. E não é porque saiba muito – na verdade não sabe nada - dessa língua quase morta que, para seu pesar, mal  sobrevive em rituais mais solenes da Igreja Católica, e em centenas de expressões jurídicas e científicas, usadas não porque não possam ser substituídas por sistemas linguísticos mais modernos, mas para dar-lhes um caráter de universalidade; como homenagem à origem do Direito moderno nos Fóruns romanos; e para preservar o uso consuetudinário em Fóruns científicos. Não, ele não sabe nada dessa língua estranha, mas tem verdadeiro fascínio por ela, desde criança, quando em sua aldeia, como coroinha, ajudava na celebração da missa, toda em latim. De lá para cá, os ecos de seu precoce conhecimento foram sendo apagados pela longa distância de 50 anos que separa aquele deste tempo. Agora, que tem todo o tempo do mundo, sobra-lhe preguiça e falta-lhe coragem para retomar o aprendizado. Parece mais preocupado em não desaprender o que aprendeu, do que agregar novo saber. Que Pena!

       Houve um desvio de rota na intenção do tema, pois mal entrou o Papa, e logo desviamos para o latim, como se ambos fossem uma entidade única. Culpa do meu amigo, que às vezes parece ter bicho carpinteiro no cérebro: não consegue concentrar-se num só assunto. Então, retornemos à figura do Papa e às mensagens que ele envia desde Roma por meios etéreos, ou quando as leva pessoalmente aos seus pastores , e ao seu rebanho, estejam onde estiverem. É indiscutível o carisma que exerce o líder máximo de uma religião, não importa qual seja. Há sempre um misto de fascínio, de respeito, de veneração, de idolatria, de humildade em torno da figura humana e deística ao mesmo tempo; pouco importa o peso de modernidade ou conservadorismo – que parece predominante nele - que ele defenda para os dogmas da sua doutrina. Ainda que quase um noviço no exercício do papado, se  comparado ao seu antecessor João Paulo II, Bento XVI conseguiu provocar uma enorme mobilização religiosa, e um aparato de máxima segurança, por parte dos fiéis da Igreja Católica, das autoridades, e de outras Igrejas, durante a semana que aqui esteve para ungir a canonização do Frei Galvão, primeiro santo genuinamente brasileiro. Foi visível o frisson causado nas ruas por onde ele passava, e na vigília que os fiéis lhe fizeram do lado de fora do Mosteiro de São Bento –  mera coincidência com o nome que ele adotou para seu papado – no qual se hospedou em São Paulo. Também não passou desapercebido o beija-mão das maiores autoridades do país, nem tampouco a dos líderes de outras religiões num encontro ecumênico em que não faltou um estranho pedido de perdão do Rabino judáico – por pecadilho público então recentemente cometido em Miami – e até o líder islâmico, que presenteou o Papa com um de seus paramentos usados nos ritos muçulmanos.

       Como todo muçulmano almeja ir um dia a Meca, todo católico quer ir a Roma; e, uma vez lá, se não for ao Vaticano ver o Papa..., sabe-se lá que espécie de católico estaria eu aqui a descrever! Pois não é que o meu amigo Trasmontano, católico desde criancinha, conseguiu ir seis vezes a Roma sem cumprir esse ritual!? Pois é, só na sétima ida à cidade eterna é que, quase arrastado por um companheiro de empresa e de viagem, logrou, finalmente,  ir ao Vaticano. Não era um dia qualquer; era um Domingo de Páscoa, e aquela imensa Praça, daquele minúsculo Estado, num frio de primavera européia, toda tomada por um formigueiro de fiéis, e de outros nem tanto. E lá estava, com toda a pompa e circunstância que a liturgia do cargo, a data, e o ritual exigiam, João Paulo II – talvez o mais carismático Papa  dos dois últimos séculos - falando à sua urbi para os fiéis ali presentes e de todo o mundo. O meu amigo já havia tido duas ligações, ou coincidências, no mínimo curiosas, com esse Papa. Num 13 de maio, que ele já não recorda o ano, chegava a Santiago do Chile e, ao tomar o táxi para ir ao hotel, ouviu pelo rádio a notícia de sua primeira tentativa de assassinato por um fanático turco. Anos depois, ao desembarcar mais uma vez na mesma Santiago do Chile, ao tomar o táxi para o hotel, novamente a notícia de seu segundo atentado, desta vez em Fátima. Talvez por isso ele se tenha deixado tomar pela enorme comoção que toda aquela floresta de gente transmitia, como energia, através de invisíveis fios radiculares.

       Em alguma de outras crônicas já descrevi meu amigo como um agnóstico; católico, pero no mucho, mas facilmente tomável de uma estranha comoção diante de pessoas, imagens ou monumentos sacros de elevado valor religioso. Foi assim em suas várias passagens pelo Santuário de Fátima; pelo da Virgen de Guadalupe, no México; ou ainda quando viajou quase ao lado da Madre Teresa de Calcutá, num vôo do Panamá a New York, em 1986, pela antiga e extinta Panam. Só as pessoas de verdadeiro valor e carisma podem provocar uma comoção coletiva como a que ocorreu nesse vôo. Ainda que, visivelmente, muitos fossem não-católicos, todos os passageiros – e meu amigo não foi uma exceção - foram buscar uma palavra de carinho, de conforto, talvez uma benção, junto àquela senhora, já um pouco envelhecida pelo seu intenso  trabalho de benemerência na Índia, mas com seu semblante de bondade, de paz, de altivez, de energia e de coragem. E ela a todos atendeu com a mesma atenção e serenidade. Os cânones podem demorar com seu processo, mas ela será santificada. Meu amigo lembrou-se dos milhões de fiéis que buscam santuários, ou simples imagens, numa atitude mista de fé, de delírio, de gratidão, de esperança, de penitência, de fanatismo, de auto-flagelo, e até mesmo de loucura; um estado de espírito no qual o que menos importa é a razão, substituída e sublimada pela emoção. Ao receber da Madre Teresa a sua benção oral e escrita – à qual apôs seu autógrafo – também  não se conteve e...chorou.

      Urbi et Orbi é, com certeza, a mensagem mais antiga - e propositalmente globalizada - da Humanidade. Vem desde a fundação da Igreja Católica e tinha como objetivo atingir todo o recanto da Terra onde houvesse um católico. Demorou muito para que os católicos ocupassem todos os recantos, imagine-se quanto demoraria para que a benção do Papa alcançasse a cada um deles, naqueles tempos sem telégrafo, telex, fax, rádio, televisão, e nem sequer internet. Quando chegava uma, já deveria haver várias outras a caminho, trazidas por uma imensa e caótica rede de arautos. Imagine-se, também, o quão pouca fidelidade guardaria o sentido da mensagem original, com a interpretação final dos fiéis, após tantos ruídos na transmissão boca-a-boca, e até na cópia de mensagens manuscritas. Por serem raras, todos queriam ouvir a palavra do Papa e seus Bispos, e a aceitavam como dogma incontestável. Hoje, com a comunicação instantânea por todo o Planeta, a mensagem dos sacerdotes da Igreja tornou-se vulgar e comum, não muito diferente da palavra dos políticos de plantão em qualquer época. Já não tem a força espiritual do passado, e muito menos a sua  obediência. E ao nosso Governo, que o Papa o bendiga, ou excomungue de vez. In nomine patre et filiu et spiritu sanctu. Amem!

JCN – MAIO - 2007
PS.: Hoje, 11/02/13, o Papa Bento XVI renunciou ao papado, ao reconhecer que não reúne mais condições físicas e espirituais para conduzir o mundo católico. Admiro a sua coragem, e acho que muitos políticos deveriam fazer o mesmo, por motivos morais.

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Nicanor de Freitas Filho