João Batista de Freitas
Hoje você não vai escrever
nada! Vai apenas ler esta história. Talvez você nem se lembre, mas na minha
mente de criança foi exatamente assim que aconteceu.
Para quem não sabe,
sou seu irmão mais novo, filho de D. Edith e Seu Nicanor, de quem você herdou o
primeiro nome. Tinha eu aproximadamente 9 anos, e você estudava na Escola
Agrícola em Pinhal, nos visitava apenas nas férias, quando mamãe se enchia de
alegria ao ver a casa cheia – éramos cinco irmãos e uma irmã. Muito pobres,
vivíamos com dificuldades, tendo dinheiro apenas para o sustento – sem
geladeira, sem TV, sem carro, sem telefone. Mas tínhamos uma velha “vitrola”
(para quem não sabe o que é, explico que é um toca-discos antigo com rádio Am),
cujo dial havia quebrado e você mesmo havia refeito com caneta de pena e tinta
nanquim – sim, o dial era apenas uma peça de plástico, nada digital como
conhecemos hoje.
Mamãe havia lhe dado
dinheiro para você comprar comida. Você foi, comprou, entregou o pacote pra
mamãe e com as mãos nas costas pediu:
- Mamãe, daquele
dinheiro sobraram 2 cruzeiros, eu posso ficar com eles? – Meio sem jeito, ela
respondeu que sim, afinal, não estava entendendo nada.
Você então disse:
- Ainda bem, porque
já gastei mesmo (tirando a mão das costas e mostrando um disco). Comprei este
disco mais barato (o vinil era um 78 rotações, com um pequeno pedaço quebrado,
o que dificultava colocar a agulha para tocá-lo, mas não atrapalhava ouvir a
música).
Senhores: era o primeiro disco que
tínhamos para tocar na velha eletrola – sinônimo de vitrola. Nunca vou esquecer
os primeiros acordes de Ray Conniff interpretando Aquarela do Brasil no lado A
– no momento estou tentando lembrar a música do lado B. Até o final acho que me
lembrarei.
Aviso aos
navegantes: o vinil de 78 rotações tinha um tamanho intermediário entre o
conhecido LP – bolachão – e os compactos simples e duplos. Funcionava assim: Os
LPs normalmente vinham com 6 músicas de cada lado, os compactos simples com uma
música de cada lado, os compactos duplos com duas músicas de cada lado e o 78
rotações também com apenas uma música de cada lado. (Seria tico-tico no fubá o
lado B? – não, acho que não).
Daí você pode estar
se perguntando: - E daí? Eu também tive o primeiro celular, o primeiro ipod,
primeiro tablet, primeiro sei-lá-o-quê de tecnologia.
Então eu respondo:
Primeiro: os tempos
eram outros – tipo grande recessão americana – e o dinheiro era raro mesmo para
coisas mesmo como um simples vinil. Era uma espécie de “luxo” para nós.
Segundo: Lá em casa
todo mundo gostava muito de música. Vivíamos ouvindo a ZYI-4 -Rádio Imbiára de
Araxá que, cá entre nós, tinha um repertório bastante eclético, passando do
sertanejo a músicas orquestradas e grandes sucessos internacionais, como Pat
Boone e Elvis Presley. Por conta de amor pela música, ganhei mais tarde um
velho violão em que o próprio Nicanor me ensinou as primeiras notas. Penso que
o Luiz também tenha aprendido com o Nicanor, mas também chegou a me ensinar
muita coisa. Confesso que até hoje sou um péssimo violonista, mas continuo
arranhando a minha “viola”.
Terceiro: Tivemos
outros discos, de Zé Fidelis a Beatles, de “promoções Kolynos” até Elvis
Presley, mas o primeiro amor a gente nunca se esquece. E, com certeza, por
causa daquele primeiro disco, a música passaria a influenciar totalmente a
minha vida e de meus filhos. Quando completei 16 anos, fundamos a banda “Pink
Panter Band”, que tocou no Clube Brasil – chique, não? – e até hoje arranho
meus acordes no grupo de louvor da minha igreja.
Mas o mais
importante é que transferi este gosto musical aos meus filhos, principalmente
ao Rafael, que hoje é vocalista em 3 bandas aqui em Campinas, além de tocar
alguns instrumentos (claro, bem melhor do que eu) tais como teclado, guitarra,
violão, contra-baixo, piano, etc).
Bem, continuo tentar
lembrar o nome da faixa B do velho 78’. Ah, claro, era “Besame mucho”, única
música latina que os Beatles gravaram. Por sinal, estou ouvindo a mesma
gravação agora em meu moderno laptop com som digital.
Nica, se nunca te disse, agradeço agora
por aquele pequeno presente que nos deu em tão remota era – afinal, você voltou
para S. Paulo e o 78’ ficou em Araxá.
Meu querido irmão João,
ResponderExcluirCom muita emoção e, antes que os amigos leiam, sem meus comentários, quero lhe agradecer, de coração esta “homenagem” que você me fez. Depois de tantos anos, afinal deve ter sido por volta de 1962 que ocorreu tal fato, do qual eu só me lembrava de ter comprado o “Besame mucho”, mas não me lembrava das circunstâncias da compra. Você se lembrar da “confecção” o dial de acrílico, que recortei na medida certa, passando meu “canivetinho” várias vezes no mesmo lugar, guiado por uma régua até conseguir cortar sem deixar rebarbas. E escrever de 530 a 1600, nas distâncias corretas... Muitas lembranças boas!! Obrigado!
Freitas & João
ResponderExcluirLaços de família indestrutíveis, sedimentados pelas recordações de uma época em que cada pequena conquista tinha um valor imensurável, e tudo era compartido por toda a família. João, não conheço você pessoalmente, mas conheço o vosso Nica há um pouco mais de 30 anos, e sei o quanto ele preza toda sua família, pelo carinho e frequência com que ele fala de todos os irmãos e pais de vocês. Quanto à vitrola, acho que tive a minha primeira ao redor da mesma época, mas ainda conheci a sua antecessora que, lá na minha Trás-os-Montes chamavam de GRAFONOLA, aquele fonógrafo de braço curvilíneo com uma agulha espetada na ponta, e que descia mansamente até arranhar o 78 rotações. Ah, só funcionava com manivela. Um carinhoso abraço a ambos. José Carlos - 20/02/13
Zé Carlos, meu amigo, aqui no Brasil chamávamos de Gramofone e recentemente fui visitar um amigo, com quem trabalhei no Estadão, e vi uma lá sobre a mesa. Olhei, olhei e ele disse: "funciona sim" deu corda, colocou um disco do Charles Aznavour e ouvimos boquiabertos. Embora com pequenos desafinamentos pela variação da rotação, funciona perfeitamente!
ExcluirObrigado pelo seu comentário. Abraços - Freitas
Bonito Tio Nica! Grandes momentos para sempre.
ResponderExcluirGleydson, você sabe que que irmão mais novo sempre é um pouco fã dos mais velhos, né? Por isso que ele se lembrou dessa passagem, que eu me lembro muito bem. Saudades. Vi que esteve por aqui mas não apareceu!! Abraços. Nicanor
ExcluirUhuuuu!!! Sempre é bom escutar alguém elogiando e falando com carinho do nosso pai. Muito bom tio João, obrigada por compartilhar. Clau.
ResponderExcluirFilha, partindo do irmão que menos convivi, pois quando saí de casa (1956) ele tinha apenas 3 anos, ou ainda não tinha, já que é de outubro e me fui em fevereiro, é ainda mais carinhoso! Beijos do Pai
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