domingo, 22 de dezembro de 2013

Causo 86 Meu canivete de Campos Altos

  

           












 Canivete Passaport


                                                                                             Nicanor de Freitas Filho
  Como já contei no outro causo, tornei-me exportador de cadernos e papel crepado.  Então tinha que explorar o mercado. Já tinha estado no Perú, em 1981 e achei que o mercado era promissor.  Assim, programei nova viagem para lá em agosto de 1982. Tinha-nos sido indicado um representante, por uma fábrica que exportava escovas de dentes e pincéis.
            Chegando em Lima no dia 18 de agosto, fui para o Sherathon Hotel, que ficava em frente ao Palacio de Justicia, numa Avenida/Praça chamada Paseo de la Republica. Um lugar muito bonito!
            No dia seguinte procurei o Representante indicado e trabalhamos todo o dia, visitando principalmente Supermercados. Uma curiosidade, este senhor tinha uma Corvete, que me parecia ser a única de Lima, pois onde passávamos o pessoal olhava mesmo! Enfim, eu preferia ser mais discreto, mas tinha que ir com ele.
            Quando já tínhamos visitado vários clientes potenciais, passamos no Escritório dele, que ficava no bairro de Miraflores, para ver se tinha alguma coisa na “secretária eletrônica” ou no Telex. Quando chegamos, ele estacionou a Corvete e fomos, a pé, até um bar para tomar um café. Não posso precisar as horas, mas já era tarde, talvez por volta das 18:00 h, ele acionou a secretária eletrônica e acabou a força. Então ele disse que isto era comum em Lima e que poderíamos revisar as visitas e preparar um relatório do nosso trabalho, pois em 30 minutos, provavelmente, a força voltaria. Ainda dava para ler, com a janela aberta e fomos anotando o que tínhamos feito. Passou cerca de uma hora e aí foi ficando escuro e não dava mais para ler e escrever nada.
            Ele sugeriu que seria melhor eu ir para o Hotel e continuaríamos no dia seguinte, já que minha viagem de volta estava marcada para noite do dia 20. Entramos na Corvete e fomos. Todos os semáforos desligados, tudo escuro e o trânsito estava um caos. Ele então comentou que devia ter acontecido algo mais grave que uma simples falta de energia. Depois de mais de uma hora no trânsito, vindo pela Avenida Arequipa, antes de chegar no Estádio Nacional, fomos parados pela polícia. Também, naquela Corvete, era mesmo de esperar tal coisa!
            Aí, então, descobrimos que havia tido um atentado, ou do Sendero Luminoso ou do MRTA, com explosão de cinco bombas simultaneamente, derrubando 4 torres de transmissão de energia elétrica e uma ao lado do Palacio de Justicia. Estava tudo interrompido, não tinha como chegar ao Hotel. O nosso representante, muito astucioso, argumentou dizendo que eu precisava ir ao hotel, onde estava hospedado. Mostrei o passaporte e o cartão do hotel, que identificava o nº do meu quarto.  Eles liberaram, mas andamos somente mais dois ou três quarteirões e fomos novamente parados. Desta vez com mais aparatos “bélicos” acintosamente à vista. Novamente o representante argumentou, mostrei o passaporte, o cartão do hotel, meu cartão de visita. Estava difícil, pois uma das bombas tinha explodido quase ao lado do hotel. Eu mesmo já estava com medo. Então o representante me disse: “-nunca caem dois raios no mesmo lugar, no mesmo dia! Fique tranquilo, pois além de tudo eles não têm interesse no hotel.”
            Depois de muito argumentar o policial concluiu que não tinha como me deixar fora do hotel. Então, me disse, que precisava me revistar. Tirei o paletó, levantei os braços e ele me revistou. Depois pediu para abrir minha maleta “Sansonyte” e foi pegando as coisas e perguntando o que era e para que eu a tinha na maleta. A maioria era de mostruários e amostras de cadernos e pastas com documentos. Na tampa da maleta, tinha local para 4 canetas e todos cheios. Quando ele passou a mão no meu “cortaplumas” de Campos Altos, todo de aço e muito bem afiado e tem o formato de uma lapiseira. Quando ele sentiu o peso já o colocou dentro de seu bolso e dizendo: “-arma blanca!” Aí, eu avancei nele e peguei meu canivete de volta, no que ele me segurou pelo punho, me tomou novamente o canivete e disse: “-quieto!” Eu assustei nessa hora! O representante, muito diplomaticamente, explicou ao soldado que se tratava de uma peça de estimação, ganha de pessoa que já havia falecido e foi inventando estória para eu reaver meu canivete. E o milico, já bravo comigo, não abria mão. Por fim, apareceu um “Capitán” e depois de muito papo, ele prendeu o bilhete de identidade do representante, para liberar o meu canivete e me deixar passar para o hotel. Não deixou passar com o carro dele, que ficou estacionado e ele tinha que me acompanhar e pegar uma declaração no hotel, que eu era hóspede lá, e voltar ao “Posto de Servicio”, para pegar o bilhete de identidade e liberar o carro.
            Resultado foi que no dia seguinte foi decretado “Estado de Emergência” e não pude viajar, porque não tinha nada funcionando, muito menos Aeroporto. Fiquei forçadamente, mais dois dias em Lima...



Tirado da Internet:
O nome Sendero Luminoso baseia-se em uma máxima do marxista peruano José Carlos Mariátegui: "El Marxismo-Leninismo abrirá el sendero luminoso hacia la revolución" ("O Marxismo-Leninismo abrirá o caminho iluminado para a revolução"). Esta citação era usada no cabeçalho do jornal do grupo e no Peru os diversos partidos comunistas são diferenciados pelo título de suas publicações. Os historiadores e estudiosos em geral normalmente se referem ao Sendero Luminoso como PCP-SL.

EL MRTA EN ACCION.- El 19 de Agosto, otro apagón en Lima y en una acción que no fue muy difundida, se produjo un tiroteo entre la Policía de Surquillo y un grupo del MRTA, resultando muerto  Teófilo Pacheco Quispe, militante de ese grupo terrorista. El 19 aprovechó el apagón para perpetrar varios atentados.

El 20 de agosto se decretó el estado de emergencia para las provincias de Lima y Callao, en vista de los atentados dinamiteros  del día anterior y por los apagones en Lima. Por tal motivo  se suspendieron las garantías individuales, por 60 días con Decreto Supremo Nº 036-82 IN





   

5 comentários:

  1. Freitas
    Ontem escrevi um longo comentário sobre este teu causo, mas perdi o texto ao tentar enviá-lo. Agora fico na tentativa de resumo. Posso entender bem a situação pela qual passaste e o susto causado por ela. Ao longo de 26 viagens a Lima, de 1981 a 2002 - nos primeiros anos pela Divisão Gráfica e Editorial, e posteriormente dando sequência ao trabalho que iniciaste com Cadernos - passei por várias situações semelhantes, principalmente entre 1981 e 1990, quer fosse por atentados ou manifestações políticas que ocorriam quase diariamente no Peru. O atentado que mencionaste foi contra o próprio Palácio da Justiça, que fica quase em frente ao Sheraton. A tua saia justa com o canivete fez-me lembrar outra comigo, na mesma Lima, quando na alfândega cismaram com os livros que eu levava como amostras e abriram, também com um canivete, todos os livros infantis de cartão (board books) à procura de drogas. Logo no Peru, então um de seus maiores produtores! Enfim, o causo é um bom registro do pseudo "glamour" que muitos pensavam ser a vida dos frequentes viajantes internacionais em busca de negócios. Poucos entendem por que vivíamos solitariamente tensos a maior parte do tempo. Que venham outros causos! Abraços - José Carlos - 23/12/13

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    1. Zé Carlos, tenho que me lembrar de todas as "frias" que passei nos 10 anos que exportei cadernos (ou 12 contando depois a Propasa) e colocá-las no papel. Algumas por pura inocência ou ingenuidade, mas algumas por pura "maldade" com os brasileiros, que tinham fama de "espertos demais"...

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  2. Freitas, depois de vários atentados a bomba, um estrangeiro portando uma "arma branca", só foi liberado porque o representante mostrou ser muito bom de conversa!!! Jayme.

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    1. Jayme / Aos cuidados do Freitas:
      É por isso que não tenho tido mais notícias tuas. Ficas aqui escondido no blog do Freitas! Te encontrei, hein!? Como vês, ele não andava sem seu canivete. Sábia prevenção; afinal, sempre poderia aparecer um Peru para trinchar, ou uma Lima para descascar. Abraço, e vê se aparece lá pelo meu e-mail. Neves

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    2. Jayme, não só boa conversa, como era uma pessoa muito calma e simpática (como todo bom vendedor). Os policiais falavam demonstrando "autoridade" e ele, calmamente brincava e os elogiava... Só por isso deu tudo certo. Aprendi muito com ele. Ele dizia que para resolver qualquer problema, você teria que escolher entre fazer graça ou fazer drama...

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Nicanor de Freitas Filho