José Carlos Neves
Quero pensar em mim, fora de mim;
E achar-me, onde jamais me
procurei. (JCN)
---- Porque me olhas assim?
Pareço-te estranho; talvez um ET; um fantasma; ou terei a braguilha aberta?
---- Sinceridade!? Eu também
quero saber quem sou. Não sei se sou real, ou uma ficção. Sinto-me enredado em
muitas histórias que realmente vivi, mas que eu não escolhi viver; e nem sei
porque fui parar nelas.
---- Ei, tu! Sim, tu! Acho
que te conheço de algum lugar, mas não sei de onde. Esta merda de memória me
prega cada peça! E o que me falta é peça! Um parafuso, talvez? Anda! Ajuda-me a
abrir este arquivo.
---- Já sei; eu não tenho
mais memória; só uma vaga lembrança. Mas tenho a sensação de que nos conhecemos
a vida toda. Sinto que em algum momento me sequestraste, e que passei a
depender de ti; estranho é que eu gosto
de ti, e dessa dependência. Estarei com
a síndrome de Estocolmo?
---- Sei lá! Tenho certeza
de que já andamos por lá; e também por muitas outras cidades e países, próximos
e longínquos; de cá, de lá, daí, de acolá, de todos os continentes.
---- Então!? Diz-me quem és!
Liberta-me ou mata-me. Não quero deixar-te, mas não quero ser teu prisioneiro.
Quero ter minhas próprias aventuras, viver minhas experiências, buscar meu
próprio saber. Podes até seguir ao meu lado, mas não me tuteles mais.
---- Olha! Ainda não sei
quem és, mas vou lembrar-me logo, logo. Portanto, é melhor que te apresentes
por ti mesmo. Não estendas mais esta estúpida angústia de te pertencer, e não
saber quem eu sou; ou quem tu és.
---- Ahh, lembrei de uma
coisa: tu me tratas por meu amigo Trasmontano. Será um nome próprio, ou será um
adjetivo gentílico? Acho que o termo me recorda algo mais; assim como
trás...trás-os...Trás-os-Montes!!!
---- Então é isso!? Ei, não
saias à francesa, não. Volta aqui! Senta aí, e ouve-me! Não é porque me
descobri, que acabou a tua missão. Isso! Assim é melhor.
---- Agora estou a perceber,
pá! Eu não passo de um personagem das
tuas crônicas; de crônicas que eu não escrevi; e que só vivo nelas
porque tu me inventaste, e me prendeste nos teus enredos e vivências.
---- Mas, explica-me lá! Que
eu me lembre, já viajamos juntos por cerca de 50 crônicas, e nunca assumiste
nenhum protagonismo pessoal nelas. E olha que eu conheço muitos outros textos
teus, nos quais, sim, tu és tu. Então, porque raios eu tenho que carregar as
tuas histórias?
---- Já sei! Nas crônicas,
tu não precisas dar-me voz. És um narrador das minhas vivências reais, então
sou o que quiseres que eu seja. E como sou um simples trasmontano, como tu,
achas que posso agir, e representar todas as tuas virtudes e defeitos (mais
destes que daquelas), sem reclamar.
---- Agora entendo porque
nós, personagens, somos tão explorados por vós,
autores. Se não tiverdes sucesso, a culpa é nossa porque não saímos
do nosso anonimato, e não soubemos
crescer em vossas obras. Entretanto, se ganhardes um Nobel, o mérito é todo vosso
porque nos criásteis já estrelas.
---- Não, não te sintas mal,
pois sei muito bem que não ganhaste um tostão furado comigo. E como ganhares, se
me tens escondido? Excepto a alguns amigos próximos, nunca me apresentaste; não
sei se por vergonha de mim, ou de ti mesmo. E amigos não se arriscam a ser
arautos da mediocridade.
---- Nunca terás teu milhão
de euros por seres um Nobel. Há vários que conheceste pessoalmente, antes de
criar-me, como a Eco, Llosa, Saramago, Marques, Paz. Então, eu seguirei apenas
com milhões de quirelas e outras tantas mazelas, tuas e minhas, que terei para
carregar.
---- Bons tempos aqueles em
que fizeste tantas viagens com e pela literatura. Quase 30 anos, lembras-te?
Vivias dela, mas nunca te atreveste a escrevê-la. Talvez por timidez; por
insegurança; ou falta de valor mesmo!
---- E agora, que estás tão
longe do mundo literário, tu me inventaste para seguires perto dele. Sou o teu
elo com a literatura; e por isso te vejo mais perto de mim. Tu também me
necessitas. Não sou apenas mais uma bengala para apoiares as tuas dúvidas e
inseguranças.
---- As coisas agora estão
claras p'ra mim. Como meu criador, sou a tua alma; sou o que tu foste, ou
querias ter sido; sou como és, um ser vivido, experiente, envelhecido e
cansado. Se depender de mim, serei o que ainda fores, na tua vida ou na tua
literatura.
---- Fomos, somos e sempre
seremos uma fusão de mentes e de caráteres, a confundir o que seja real ou
ficção. Não sabemos mais quando és tu; quando sou eu. O mais provável é que
tenhamos um só corpo e uma só alma.
JCN – ABR – 2014 – jcneves45@yahoo.com.br
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Nicanor de Freitas Filho