sábado, 5 de dezembro de 2015

Cativar

“É uma coisa esquecida. Significa ‘criar laços’...”
Antoine de Saint-Exupéry

Nicanor de Freitas Filho

            Dia destes, estava levando meu neto ao Clube, onde ele faz alguns esportes. Nesse dia, estávamos só nós dois no carro. Ele se queixou de dois colegas do Clube. Um deles é muito bonzinho, embora meio “gozador”.  Então eu tentava explicar para ele que, para se ter amigos de verdade, é preciso de cativá-los. Ele, dos seus 8 anos perguntou: “O que é cativá-los?”
            Comecei dizendo que cativar é respeitar e se fazer respeitar, é saber dividir as coisas boas de forma que todos saiam ganhando, é fazer o que os outros gostam mas fazer com que eles façam o que a gente também gosta... Ele me interrompeu: “Vovô, vamos falar de futebol? Isto está muito difícil!” Na hora eu me calei e naqueles minutos que ficamos pensando sobre o que conversar, eu fiquei decepcionado, por não saber explicar ao meu neto o que é cativar. Veio então uma vaga lembrança de uns 55 ou 60 anos atrás, quando li “O Pequeno Príncipe” de Antoine de Saint-Exupéry, que muito me marcou. Refiro-me à conversa do Pequeno Príncipe com a Raposa, que explicou claramente para ele o que era “cativar”. Mas não consegui, naquele momento, me lembrar exatamente da explicação da Raposa. Então passamos a falar de futebol e como ele tem boa memória, sabe a classificação, saldo de gols, número de vitórias e muitas outros dados importantes sobre os times, a conversa sempre flui. Então, de repente, ele disse: “Você viu quem é o novo Técnico do São Paulo? É o Doriva. Ficou na Ponte Preta só uns dois meses...Vovô, já foram mais de 25 Técnicos trocados e só tem 20 times no Brasileirão! Não é engraçado?”
            Aí, então eu disse para ele: “Os Técnicos não sabem cativar, os Diretores dos Clubes também não sabem... Todos deveriam saber cativar os jogadores, a torcida, os Diretores e os Técnicos... Deu para entender o que é ‘cativar’?” Ele respondeu: “Não Vovô, o que os Técnicos fazem é o normal, perde tem que sair...” Pensei, meu Deus, como essa Imprensa trata o assunto tão vulgarmente e naturalmente, que na cabecinha dele é normal trocar de Técnico, quando perde! Que pena! Poderia entender tudo isto de outra forma, mas infelizmente foi assim que ele aprendeu.
            Chegando em casa, fui procurar na estante “O Pequeno Príncipe” e fui direto para o encontro do Príncipe com a Raposa. Curiosamente ele faz a mesma pergunta várias vezes à Raposa: “Que quer dizer ‘cativar’?”Como o meu neto a fez. A Raposa, muito mais esperta que eu, depois de várias pequenas explicações finaliza dizendo que “É uma coisa esquecida. Significa ‘criar laços...’...Tu não és ainda para mim senão um garoto inteiramente igual a cem mil outros garotos.Eu não tenho necessidade de ti. E tu não tens também necessidade de mim. Não passo a teus olhos de uma raposa igual a cem mil outras raposas. Mas se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás para mim único no mundo. E eu serei para ti única no mundo...conhecerei um barulho de passos que será diferente dos outros. Outros passos me fazem entrar debaixo da terra. O teu me chamará para fora da toca, como se fosse música...Se tu vens, por exemplo, às quatro da tarde, desde às três eu começarei a ser feliz...” E finalmente, depois de cativada, conta-lhe o segredo: “...só se vê bem com o coração. O essencial é invisível aos olhos... Foi o tempo que perdeste com tua rosa que fez tua rosa tão importante... Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas.”
            Então eu li o capítulo, de onde tirei os trechos acima, para ele, no dia seguinte, que curiosamente ele aquietou-se para ouvir. Quando terminei, perguntei se queria ler o resto, claro que ele disse que não, pois já estava cansado de ouvir-me. Ele então se aconchegou, colocou o braço sobre o meu ombro e disse: “Agora eu sei. É só te fazer uns carinhos e obedecer direitinho, que a gente te cativa...” 
Falar o que?

4 comentários:

  1. Freitas:
    Confesso que de princípio, achei o texto um tanto longo, mas comecei a ler e acabei percebendo que fiquei "cativado" com a história. Muito bom, parabéns. Grande abraço, Edson

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  2. Freitas, nada melhor que esses momentos mágicos, vividos entre pais, filhos e netos, para cativar a essência da felicidade familiar. Nós também somos responsáveis por ela. - Abraço - JC

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    1. Eu tenho passado cada uma com os dois netos, que não é fácil...
      Abraço

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Nicanor de Freitas Filho