Nicanor de Freitas Filho
No Estadão de domingo, 23 de abril, o Fernando Veríssimo,
escreveu uma crônica onde ele falava de momentos marcantes. É claro que tenho,
seguramente, mais de 50 momentos inesquecíveis, bons e ruins. Por exemplo: aos
8 anos, minha mudança de volta do Veríssimo para Araxá, meu casamento,
nascimento de minha filha, de meus netos, formatura, volta da parada
cardiovascular e infarto, e, também inesquecíveis perdas, de meus Pais, de meu
irmão, de sobrinha e sobrinha neta. Mas isto é, digamos assim, muito íntimo!
Então, resolvi “lembrar” de um fato, para mim marcante,
embora possa parecer para muitos, uma coisa normal. Vamos lá.
Primeiro tenho que lembrá-los, que com 12 anos fui
estudar na Escola Agrotécnica de Muzambinho, onde tomei uma bomba, em Francês,
e por isso fiquei lá 5 anos, até me formar em “Mestre Agrícola”. Uma vez que
por motivos políticos, tinha sido tirado daquela Escola, o Curso de Técnico
Agrícola, tive que procurar outra Escola Agrotécnica, para fazer meu curso de
Técnico Agrícola. Fui para a Escola Agrotécnica Augusto Ribas, em Ponta Grossa,
no Paraná.
Na Escola de Muzambinho, no primeiro ano, com idade de 12
anos, era um dos menores alunos da Escola. No desfile de 7 de Setembro de 1956,
como era a regra, os pelotões eram formados por um “Chefe do pelotão”, três “Serra
filas” (que iam um pouco à frente do pelotão) e o “Pelotão” composto,
geralmente, de 30 alunos, alocados em ordem de tamanho, em três fileiras. Os
maiores à frente. Nesse primeiro ano fui o último do último pelotão da Escola.
Posição de destaque não é? Eu ficava na fila da direita e o Zangão (Paulo
Castro) no meio. Não me lembro quem era o terceiro.
Em 1957, progredi para “serra fila” do terceiro pelotão.
No ano de 1958, como estava repetindo o segundo ano, tive muita facilidade e
tirei muitos 10 (exceto em Francês), porque as matérias todas já eram conhecidas. Com isso, tornei-me um
ótimo aluno e, por causa disto, fui escolhido para ser o Porta Bandeira. Era um
posto que tinha pertencido aos melhores alunos da Escola como Cuiabano e
Cotegipe.
No meu quarto ano de escola, 1959, consegui meu sonho de
entrar na Fanfarra. Minha vontade era tocar um surdo bijuzeiro, mas tinha muita
concorrência e fiquei mesmo com uma Caixa de Guerra, que toquei nos dois
últimos anos que lá estive. Mas eu aprendi quase tudo de Fanfarra. Sabia 23
cadências diferentes. Tocava qualquer um dos instrumentos da bateria, porque
antes dos ensaios, pegávamos todos o instrumentos. E eu amava a Fanfarra.
Gostava muito e me sentia um “astro” no setor da bateria da Fanfarra. Nunca consegui tocar
corneta. Não tinha embocadura!
Aliás, sempre gostei muito de Fanfarra! Lembro-me, muito
pequeno, vendo os alunos do Colégio Don Bosco, de Araxá, descendo a Av. Imbiara
e Av. Antonio Carlos. Eu admirava nesta época o tarol. Eu o escutava com a
seguinte onomatopeia: “toma limonada, prá cagá de madrugada... toma
limonada, prá cagá de madrugada...”
Em 1961 tive, então, que ir para Ponta Grossa. A Escola
de lá estava no seu segundo ano de funcionamento como Escola Agrotécnica e era
mais conhecida como “Abrigo”, pois foi construída para ser um abrigo de
menores. Tinha poucos alunos, talvez o número não chegasse 60. Era somente o 1º e o 2º
anos de Técnico Agrícola.
Ao chegar, já
fui perguntando pela Fanfarra. Mesmo porque tínhamos ido em quatro colegas, de
Muzambinho para Ponta Grossa e todos os quatro tocavam na Fanfarra. Infelizmente
não tinha nada! Mas o Diretor, Dr. Marcelo, me indicou um Capitão amigo dele e
autorizou-me dirigir ao Quartel do Exército, que ficava a cerca de pouco mais
de 1 Km da Escola e pedir emprestado alguns instrumentos para começarmos a
montar a Fanfarra. O Capitão que me atendeu, não só nos emprestou cerca de 15
instrumentos usados que tinham lá, sem uso, como disponibilizou um Sargento
para nos coordenar numa “Ordem Unida”, como eles chamavam. Uma semana depois
recebemos os instrumentos e o Sargento – que não me lembro o nome – para nos
instruir. Dentre os instrumentos tinha um surdo grande, um menor e quatro
surdinhos, dois taróis, seis caixas de guerra e duas cornetas.
Só o Ratinho
tocava corneta. O Ivo era cobra no tarol e o Robel tocava muito bem caixa de
guerra. Assim, para fazermos do nosso jeito, peguei logo o surdo grande, que
apesar de não ser um “bijuzeiro” era com ele que tinha que me virar. Procuramos
entre os outros colegas quem queria aprender e formamos uma Fanfarra com 13
instrumentos de bateria e uma corneta. Ninguém conseguiu aprender a tocar
corneta. O Ratinho ficou sozinho... Os outros instrumentos, tinham alguns que
já conheciam e se adaptaram logo às nossas cadências e assim em menos de um
mês, já estávamos tocando umas 12 cadências diferentes. O Sargento conduzia as
“Ordens Unidas”, ensinava o pessoal a marchar, movimentar os braços e as pernas
na cadência e no passo. Mas na Fanfarra não precisou ensinar nada. Sabíamos
mais que ele. A Fanfarra era eu quem a conduzia.
Veio para a
Fanfarra um colega chamado Pichetti, que ficou com o outro surdo médio. E num
determinado dia que o Sargento estava lá (treinávamos muitas vezes, sem a
presença dele) o Pichetti pegou o meu surdo, antes que eu chegasse na salinha
dos instrumentos. Eu disse para ele, que o surdo era meu. Ele, muito maior e
mais forte, disse que os instrumentos não tinham dono. Ele ia tocar aquele surdo
e ponto final! Não discuti. Apenas fui formar
com o pelotão, para marchar. O Alceu, que tocava sempre um surdinho, pegou o
surdo médio e fomos para o pátio. Tudo formado, percebi que o Sargento não me
encontrou e disse para o Pichetti iniciar. A Fanfarra começou a tocar, nós
fomos marchando atrás, mas ficou só na primeira cadência. O nosso forte era a
sequência de cadências, que quem as determinava, era eu. Notei que o Sargento
conversou com o Pichetti e teve uma hora que o Ivo e o Robel participaram da
conversa. Via que ele fazia sinal com a mão para trocar de cadência, mas nada
acontecia. Eu fiquei na minha.
O Sargento,
que já estava acostumado a ouvir aquele som harmônico e variado, parece que
percebeu o que estava acontecendo e deu um “auto” bem em frente à escadaria do
prédio principal. Parou a Fanfarra e
perguntou: “Cadê
aquele surdeiro que ficava aqui na frente?” Eu continuei na minha. Como ele
estava no segundo degrau da escada, ele podia ver a todos. Reconheceu-me e me
chamou. Perguntou: “Por que você não está tocando hoje?” Eu disse que quando
cheguei não tinha mais surdo e que não ia tocar mais na Fanfarra. Ele então
disse: “Isto
aqui tem que ter ordem! Como assim, que não tinha um surdo para você?”. Eu
simplesmente abri as mãos, com dizendo: “não sei”. Ele então me perguntou qual era o
surdo que eu vinha tocando. Eu apontei para o Pichetti. E então aconteceu o momento marcante,
inesquecível...
Ele fez sinal
para eu ficar ali, no primeiro degrau, junto dele, e disse que “Ordem Unida” é
como se estivéssemos no Exército. Tinha hierarquia e comando, e, tudo se
resolveria por meritocracia – foi a primeira vez que ouvi tal palavra – e
naquele momento ele estava me nomeando “Chefe da Fanfarra”. Eu teria poder para
escolher e determinar quem ia tocar o quê, e em que formação. Ele falou com
tanta ênfase e autoridade, que imediatamente o Pichetti veio me trazer o
meu surdo – que eu queria que fosse um bijuzeiro, mas não era – e foi pegar o
que ele sempre vinha tocando. Reiniciamos a “Ordem Unida” a Fanfarra tocou
muito bem e, aliás, correu tudo muito bem. Nunca, ninguém tocou no assunto, tal
a força de autoridade e de comando, que o Sargento me passou naquele
momento.
Fizemos,
naquele ano, pelo menos quatro excelentes desfiles, com evoluções muito boas,
que contarei mais a frente: no aniversário da cidade vizinha de Palmeira, 7 de
abril, no 7 de Setembro, nos jogos da Primavera e no 15 de Novembro
(aniversário de Ponta Grossa).
Concluindo: falta ao Brasil, neste momento, autoridade
e comando!
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