domingo, 9 de dezembro de 2012

Causo 72 Histórias do Futebol Araxaense.


                                                  
Alcino de Freitas
  Contadas por Agnelo Guimarães Borges, membro da Academia Araxaense de Letras.

CHUTEIRAS REPETIDAS.

            Nos meus tempos de juventude, e apaixonado pelo futebol, atuei por algumas equipes amadoras de Araxá, entre elas o CIT Futebol Clube. Além dos inúmeros amigos que a convivência sadia me legou, tive a oportunidade de observar e anotar no meu íntimo, passagens interessantes e histórias advindas de ações e atitudes dos companheiros do futebol. Uma das pessoas que me marcou, e muito, foi o então presidente, treinador, massagista, roupeiro, e torcedor do CIT, o estimado José Gonçalves Rosa, o José Adelino para os íntimos.
            Apaixonado pelo futebol e pelo seu time, com sua simplicidade em acurada sintonia com a vontade de que sua equipe sempre estivesse em evidencia, tinha cuidados extremos e muita dedicação aos seus jogadores. Entre tantos fatos que presenciei, ou ouvi contarem, destaco três que me chamaram a atenção, e que passo a narrar, sempre aumentando um ponto para tornar o conto mais alegre!
            Num domingo, logo após o almoço, a delegação do CIT foi transportada para Ibiá pela “jardineira” do senhor Juca Guilhermino, que durante a semana fazia a ligação Araxá-Tapira. Na partida preliminar, debaixo de um sol de fritar ovo na careca dos menos providos, os “cascudos” do CIT já estavam a apanhar do Ferroviário por um placar tranqüilo a favor dos ibiaenses. Um jovem atleta, integrante de uma conhecida família araxaense, disposto a jogar naquele dia, azucrinava o ouvido do técnico Zé Adelino. Uniformizado, com as chuteiras luzindo a graxa que o diretor a elas destinara, com as mãos na cintura, pedia porque pedia para entrar. Queria, segundo ele, ser o herói da tarde, mudando o resultado da partida. Cansado, e já nos estertores do jogo, o velho dirigente determinou a entrada do jovem rapaz. Tão logo ele entrou, o juiz apitou, sinalizando um escanteio. Ele correu para fazer a cobrança. Autorizado, ao fazê-la foi infeliz, e a bola derrapou na “graxa da chuteira”, saindo logo após pela linha de fundo. O treinador, então, desabou sua insatisfação sobre o jogador, cobrando dele uma melhor atuação. Mesmo desenxabido, e de cabeça baixa se justificou aos gritos, para alegria dos demais colegas de equipe: “- A culpa é do senhor. Olhe aqui. O senhor me deu duas chuteiras de um só pé, o esquerdo, e eu sou melhor com o pé direito.”

SEM SALAME.

            Naquele jogo, na cidade de Ibiá, onde o CIT foi derrotado pelo Ferroviário, no jogo principal e na preliminar, o Zé Adelino não engolira a atuação de alguns jogadores. Entre outros, o jovem de chuteiras trocadas estava ainda na cabeça. Primeiro, porque não jogara absolutamente nada. Segundo, porque ainda o acusara de ser culpado pela sua má atuação, por ter-lhe fornecido material incompleto.
            Tão logo terminou o jogo principal, mal deu tempo aos jogadores do time principal para um banho restaurador das energias despendidas, e já convocou todos para a viagem de volta. A jardineira da Tapira, conduzida pelo senhor Juca Guilhermino, que se fazia acompanhar dos seus familiares, que aproveitaram a viagem para visitar uns parentes, que moravam em Ibiá, largou de volta para Araxá, para vencer a poeira que, naquela época, emoldurava os contornos dos caminhos que ligavam aquelas cidades, sujando roupas e rostos, e maculando o verde da paisagem que ousava mostrar-se aos olhos dos que ainda insistiam em limpar os vidros da condução.
            Era costume do presidente levar um agrado para os jogadores. Como não o distribuíra nem durante, nem após a partida, ele resolveu fazê-lo a meio caminho do retorno. Levantando-se, puxou um saco que estava colocado sobre o banco ao lado do seu, e, dele ia retirando e distribuindo, a casa um, um pão com salame que cuidadosamente preparara na manhã daquele dia. A distribuição estava sendo feita sem parcimônia alguma. Todos eram contemplados na sua própria poltrona. Até que chegou a vez do jovem atleta, que estava postado numa das ultimas acomodações daquela jardineira. Assim que deu fé do próximo a ser agraciado, o Zé Adelino parou, pensou, resolveu e agiu. Retirou o salame de dentro do pão, e entregou-o ao jovem atacante, e num tom ríspido, lhe asseverou: “- Você não jogou nada! Não merece o salame. E olhe nem mesmo o pão você merece. Mas, seja lá Deus quer...”

COM DEZ OU COM DOZE.

            Estádio Municipal Fausto Alvim, o majestoso da Avenida Imbiara. Foi construído por Fausto Alvim, quando prefeito, e tem sido palco de inúmeros acontecimentos esportivos. De outros também. Muitos craques deixaram marcas indeléveis na memória dos torcedores araxaenses. Muitas equipes ali escreveram páginas importantes nos registros de suas histórias. E, entre outros momentos, sustentou treinamentos da Seleção Brasileira, de grandes clubes futebol brasileiro e serviu às nossas equipes amadoras nas suas preparações semanais e jogos domingueiros.
            Numa tarde de quarta-feira, com muita chuva e lama, como nas semanas anteriores, o plantel do CIT se preparava para mais uma participação no campeonato promovido pela LAD, então presidida pelo Fio, o Senezomar de Aquino.         Acompanhando o treinamento dentro de campo, o Zé Adelino. Apito na boca, chapéu na cabeça, roupa encharcada, o treinador-presidente conduzia o treino da melhor forma possível. Apitava pouco e falava menos. Mas, às vezes, tentava impor algumas fórmulas para a equipe jogar. Os atletas se esforçavam para cumprir as ordens do indigitado diretor, algumas delas impossíveis de serem realizadas, pois a qualidade técnicas de alguns atletas deixava a desejar e a condição física faltava a muitos, obrigados ao trabalho que, àquela altura de fim de tarde, já exaurira muito do seu desempenho. Mesmo assim, o entusiasmo e a vontade de jogar bola estavam a superar, ou pelo menos equilibrar, o desejado com o possível de ser feito. Depois de cerca de 30 minutos de muita correria e não menos aguaceiro, eis que o treinador resolve, numa surpresa atitude, tirar um dos jogadores do time tido como principal, passando este a jogar com apenas 10 jogadores. Vendo as coisas mais difíceis, alguns começaram a reclamar da atitude tomada pelo Zé Adelino. Este com tranquilidade e ciente do que fizera, matreiramente explicava: “- Estamos treinando uma situação de jogo. Vai que o juiz expulsa um, e temos de jogar com apenas 10 jogadores. É sempre bom estar preparado para qualquer situação. Vamos treinar desse jeito.” O mais agitado dos jogadores acidamente replicou, indagando do técnico, com expressiva dose de razão: “- É pode ser. A ideia seria boa, se o senhor não o colocasse no outro time, que agora está jogando com 12. Isto não vai acontecer no jogo. Ou vai?” O técnico havia colocado o jogador no outro time, para ele não ficar sem treinar. Coisas do dedicado Zé Adelino...

4 comentários:

  1. Freitas/Alcino/Agnelo
    Vou tomar uma expressão de um amigo para dizer que os causos de boleiros narrados são de um "tempo em que o sexo era sujo e o ar era limpo" para expressar o romantismo de uma época praticamente extinta no futebol. Foram-se os campos de vázea substituídos pelas escolinhas; foram-se o amadorismo e o apego à camisa, substituidos pelo profissionalismo e carreirismo de saltimbanco; foi-se o "bicho" representado por um sanduiche e tubaina, substituidos por salários que, num único mes, podem representar os de uma vida inteira para qualquer dos protagonistas mencionados nas crônicas. Amigos, vai "graxa" aí?

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Você tem toda razão, pois o futebol romântico e gostoso de jogar ficou nas histórias contadas pelos nossos boleiros. Aproveito os causos deles, porque eu vivi pouco esse clima de futebol típico do interior, onde o que contava era a camisa e o amor ao time... Obrigado pelo comentário. Nicanor

      Excluir
  2. Gostei dos comentários de futebol do Alcino, não sabia que ele também contava causos. Vivemos juntos este tempo, como foi bom recordar e conhecer fatos do nosso futebol.
    Abraços, Suzana.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Suzana, muito obrigado pelo comentário. Pois é, o Alcino escreve para o Jornal do Maurício aí em Araxá e aproveita e conta alguns causos para eu postar no blog. Você vai ver que vão aparecer muitos outros causos, porque estou sem tempo para contar os meus (por causa dos dois netos que ficam em casa o dia todo, agora que não tem aulas)e assim, vou divulgando os causos dos amigos.

      Excluir

Obrigado pelo seu comentário! É sempre muito bem vindo.
Nicanor de Freitas Filho