José Carlos Neves
Quanto tempo ainda terei que esperar;
Quanto tempo ainda terei para te ninar. (JCN)
Tum tum, tum tum, tum tum,... As batidas
sincopadas saíam de uma ainda não bem definida cavidade toráxica como que a
bombear vida para um minúsculo corpo, cujo comprimento não ultrapassava os 7,5
cm. A anatomia do corpo ainda não permitia ao leigo saber se seria feminino ou
masculino. Porém, o médico, guiado pela estatística comportamental dos
movimentos mostrados na ultrassonografia, assegurava ser o de uma menina, com
mais de 90% de certeza. A imagem, aumentada e projetada numa tela de 42”, já permitia perceber o fluxo e refluxo do
coração, e um movimento quase imperceptível do que parecia um pé buscando apoio
numa das paredes do útero, invadido que fora por tão indiscretas câmeras de
precisão. Sim, ali nascia uma nova vida humana, gerada por outro par de vidas, gerado por outro par que, por sua
vez... Ali estava viva, e já denominada, Amanda.
O meu amigo Trasmontano,
sua mulher, sua irmã, seu filho e nora, pais de tão tenra vida, todos olham
fixamente a tela da TV, sem piscar, como que hipnotizados por um misto de
beleza, surpresa, alegria, orgulho, emoção, responsabilidade, e uma enorme
ansiedade para que passem céleres os 6
meses que ainda faltam para que aquele minúsculo corpo possa materializar-se
fora da tela e do útero para os braços e abraços de todos. Se é verdade que a
tecnologia de hoje nos tira muito da indescritível sensação de surpresa do
ritual final do nascimento, também é verdade que a sua inestimável ajuda na
prevenção de quase todos os elementos
que possam transformar-se em dificuldades futuras traz aos pais, ou
responsáveis, mais tranquilidade e preparo para enfrentá-las, se preciso for.
Pelo que agora se prognostica, e se Deus quiser, não será o caso da Amanda. Se
depender do desejo de todos que ali estão reunidos, ela chegará com a sabedoria
oriental; com a alegria e brejeirice latino-americanas; com a irrequieta
ansiedade lusitana na busca de novos mundos, novas conquistas.
Diz a sabedoria popular
que os pais educam, e os avós deseducam, não importa qual seja a época ou a
geração. Todos os ali presentes tiveram suas próprias experiências como netos,
filhos, pais, tios ou tias, mas nenhum ainda
como avô ou avó. E é esta perspectiva que o Trasmontano vê agora
diante de si como uma ansiada realidade.
Ele lembra da sua inteira infância sem mãe, e do pouquíssimo tempo com
pai, e da quase inteira no convívio diário com seus avós paternos, ou maternos.
Tem bem poucas lembranças de seu papel como filho-criança, mas muitas do
carinho de seus avós, tios e tias, no mesmo período. A sua quase ignorância do
mundo, como isolados aldeões trasmontanos, nunca lhes fez perder o mágico
instinto de proteção aos netos que perpetuariam a sua continuidade geracional,
e na qual podem resgatar toda a intrínseca e inata beleza da sensibilidade
pater/maternal, às vezes sem a
responsabilidade dos pais de verdade; outras vezes, com ainda maior
responsabilidade que eles, como foi no seu caso.
O meu amigo não pode auto avaliar-se como pai, pois só o seu filho
poderá fazê-lo. Pensa que fez o melhor que as circunstâncias da sua vida
familiar e profissional lhe permitiram, mas sempre lhe ronda a sensação de que
poderia ter sido melhor. Agora, mais experiente, um pouco mais sábio e mais
livre de outras responsabilidades, aguarda ansiosamente pelo momento de assumir
o seu papel de avô. Não cabe em si de contente, e vive numa incontrolável
expectativa de menino que irá ganhar um brinquedo desde há muito tempo
esperado. Mesmo sem sequer saber como será a sua interação com Amanda, já
se apossou dela e lhe faz planos de vida. Já mentalizou os livros que lhe dará
e lerá; as músicas que lhe ensinará a ouvir; as peças de teatro que com ela
assistirá; os concertos que se habituará a frequentar; as canções de ninar que
lhe cantará; os longos passeios pelos caminhos da filosofia e da literatura; os
museus que visitará; apresentar-lhe o belo através das artes; a educação
formal a escolher; os valores da honestidade, da generosidade e solidariedade;
da liberdade política, da religião, da moral e da ética a seguir; o respeito às
suas raízes latinas e orientais, de seus pais e avós; a valorização do trabalho
e esforço próprios; a convivência respeitosa com o próximo, independente de
extrato social, racial, religioso ou político a que pertença; o mundo aberto à
sua pertinência e ao seu conhecimento; enfim, talvez, fazê-la reflexo de um ser
humano por inteiro, pelo que venha a ser, e não a ter. Tudo
o mais que lhe falte, será delegado a seus pais.
E assim, entre desejos,
devaneios, sonhos e esperanças, o meu amigo Trasmontano prepara-se para uma
nova etapa de sua vida, talvez a mais leve e prazerosa, porque sem o peso da
responsabilidade das anteriores. Ao olhar para o pai, Cláudio, já adulto
maduro, vê a projeção de um possível futuro neto; ao olhar a mãe, Kátia,
já vê dentro dela a pequena Amanda; ao olhar a obaachian, Eiko,
vê a sua parceira e cúmplice de sempre nos seus sonhos; ao olhar a tia-avó, Olinda,
vê as suas próprias tias a cuidá-lo na sua orfandade infantil. Ao olhar todos,
tenta adivinhar como será o seu rosto, e três possibilidades genéticas se
apresentam: será inteiramente oriental? Inteiramente ocidental? Ou será mestiço
como o do seus pais? Não importa! Importante mesmo é que tenha a cara da felicidade.
Com certeza, muitos outros familiares se agregarão nas atenções, curiosidades e
cuidados a que sua neta fará jus. Ela virá como mais um reforço de um pequeno
exército de mulheres de um clã triangular, e é natural que por elas seja
defendida, como ela futuramente as defenderá. A transmissão do ultrassom
termina; a televisão é desligada. O meu amigo volta ao mundo real. Faltam
apenas 6 meses, e avô e neta não perderão por esperar, pois terão ainda muita
vida para aprender, e
ensinar-se, mutuamente, a viver.
JCN – NOV – 2013 – jcneves45@yahoo.com.br
Óh Freitas, esse Transmontano é mesmo observador nas coisas! Vê lá se quando meu filho me disser que a mulher dele está grávida, eu vou ficar pensando nestas coisas todas?? Só vou dizer: Que felicidade, ô pá! Ponto final.Pensar nisso tudo!? É demais pra minha cabeça! Abraços - Epaminondas
ResponderExcluirEmocionante descrição de sentimentos e muita sensibilidade! Parabéns Sr. Jose Carlos.
ResponderExcluirJosé Roberto
Caro José Roberto
ExcluirAcho que, por momentos, tive uma recaída no espírito luso, pois respondi ao Epaminondas no seu espaço. De qualquer forma, o meu amigo Trasmontano agradece pelo seu comentário, e por ter interpretado tão bem a sua alma.
Grande abraço - José Carlos
Caro Epaminondas
ResponderExcluirChiça, pá!!! Quase matas o gajo do coração, pois é o pensar "nestas coisas todas" que bem sintetizaste no "Que felicidade, ô pá!". Ele só é um pouco mais prolixo, dialético e com uma pitada de melancolia na expressão da sua alma trasmontana. Ele agradece o comentário e envia um grande abraço. José Carlos
Zé Carlos, não fizeste nada errado! respondeste certo no espaço do J. Roberto e no caso do Epaminondas ficou como num novo comentário, mas sei que ele vai entender, pois tu dirigiste o comentário para ele.
ExcluirOi Nicanor. Lí todos os seus blogs, todos muito interessantes. Só que estava viajando, não deu pra escrever uma mensagem em cada um. Parabéns pela filha, fiquei encantada quanta sensibilidade. Uma escritora nata. Quantos escritores na família hein!? Continue mandando seus causos.
ResponderExcluirAbraços Suzana.
Que paciência! Ler tudo que escrevemos! Só mesmo uma grande amiga de infância para ter toda essa paciência. Muito obrigado pelas palavras. Minha filha vai gostar muito do que você escreveu. Pena que tem dois filhos para cuidar e nem sempre tem tempo para escrever. Grande abraço Nicanor
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