terça-feira, 15 de agosto de 2017

Promessas

Nicanor de Freitas Filho
Lembro que morava numa casa não muito grande, não muito velha, simples. Na entrada tinha um portãozinho, um muro baixo, e entre o muro e a casa – que ficava mais à direita – um jardim bem cuidado, onde se destacava um pé de dália, daquelas grandes, que quando atingiam o auge, pendiam para o lado.
A casa era da minha avó Dinha, ou Dona Clorinda Palhares Cardozo. Morava nessa casa, a Dinha, minha Tia Suça – irmã da minha Mãe – que era solteira e trabalhava como Caixa em um Armazém e nós. Não me lembro em que ano, ela foi convidada a dar umas aulas numa fazenda perto de Santa Juliana e ficou muito amiga das filhas do fazendeiro, que a tinha contratado. Elas foram visitar a Tia Suça várias vezes e eram muito simpáticas. Lembro-me bem delas.
A Mãe delas, contava que quando se casou, com o Fazendeiro, num início de ano, foram passar a Lua de Mel em Poços de Caldas, no carro do Fazendeiro. Sofreram um acidente na estrada, no dia 6 de janeiro e ela teve o útero perfurado. Não foi tão grave, mas o médico disse que ela poderia não conseguir engravidar, pois o útero estava razoavelmente danificado. Ela então conta que fez a promessa de que, se engravidasse, ela colocaria os nomes dos Reis Magos, nos filhos, por causa da data de 6 de janeiro. Quando nasceu a primeira filha, ela então colocou o nome de Gasparina – feminino de Gaspar – e era um nome até usado. Eu mesmo conheci mais de uma Gasparina. Quando nasceu a segunda filha, ela já teve que improvisar: Belchiolina – feminino de  Belchior – que praticamente não é usado. Mas vá lá! Quando nasceu a terceira filha, não teve alternativa, feminalizou o nome de Baltazar e chamou-a Baltazarina! 
Nós, crianças, achávamos engraçadíssimo os nomes delas: Gasparina, Belchiolina e Baltazarina... Ríamos muito. Se, pelo menos, fosse nos dias de hoje, que chamam todas as meninas pela primeira sílaba, ainda poderia quebrar o galho: “Gá”, “Bel” e “Bá”, mas não. Naquela época eram Gasparina, Belchiolina e Baltazarina... 
Fomos morar em Uberaba onde ficamos quase um ano, voltamos para Araxá, e, pouco mais de um ano depois, meu pai conseguiu ser Corretor de Seguros da Seguradora Minas Brasil, na cidadezinha de Veríssimo, no final de 1952. Eu estava no segundo ano do Grupo Escolar. Fomos morar, se me lembro bem, na Rua Presidente Vargas, 348. Em frente à nossa casa morava Dona Sinhana (não sei se é assim que se escreve), viúva que tinha três filhas, cujos nomes eram: Fé, Esperança e Caridade.
Na frente da casa dela, o que seria o jardim da casa, tinha um pé de cará-do-ar, que é uma espécie de planta trepadeira, cujo fruto cozido e amassado com açúcar é uma sobremesa deliciosa. Pelo menos achávamos, pois nossas opções eram poucas. Então íamos quase todos os dias pedir para Dona Sinhana uns carás-do-ar (e nós falávamos “caraduá”) para nossa sobremesa... E ela sempre com muito carinho, nos ajudava a apanhar os carás-do-ar para a Mamãe cozinhar.
Minha Mãe contava que um dia perguntou para ela, o porquê dos nomes das filhas, e ela explicou que quando se casou, seu marido tinha tido sífilis e o médico teria dito que ele não poderia gerar filhos, pois tinha-se tornado estéril. Naquela época se casava para ter filhos. Então, ela que era muito católica, fez a promessa, que se o marido se recuperasse ela poria os nomes de Fé, Esperança e Caridade nas filhas. Minha Mãe admirou muito a “fé” daquela senhora, que não só conseguiu realizar seu sonho, como cumpriu sua promessa. Mas lembrando-se da Gasparina, Belchiolina e Baltazarina, Mamãe perguntou a ela, como faria se tivesse nascido três filhos. Ela respondeu de pronto: “...seriam João da Fé, José ou Antônio da Esperança e Pedro ou Paulo da Caridade!” Eu nunca me esqueci dessa história que minha Mãe contava, mesmo porque achava de muita criatividade a resposta dela, para o caso de nascerem homens, em vez de mulheres!


Esta é a casa que moramos no Veríssimo. Só foram trocadas as janelas e construído um segundo murro, mais alto. Esta foto é de 2005 quando fui passear lá. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigado pelo seu comentário! É sempre muito bem vindo.
Nicanor de Freitas Filho