Nicanor de Freitas Filho
Como já contei, minha infância foi muito pobre e eu
gostava muito de brincar, então tinha que usar da criatividade para obter os
“brinquedos”. Papagaio, ou pipa, eu conseguia “fabricando” para os outros
meninos e cobrava em folhas de papel de seda. Pra isso eu tinha, desde pequeno,
um canivete que quando o meu padrinho Tarcísio me deu, arredondou a ponta dele
no esmeril, para não correr risco. Mas era um ótimo canivete, que mantinha o
corte sempre afiado, pois era de aço inox mesmo! Apesar de usá-lo mais para
fazer as varetas de bambu, com ele eu fazia quase tudo. Além de papagaio, gostava
muito de bolinha de gude, que eu ganhava jogando a valer! Jogo de botão – e
naquele tempo era de botão mesmo – que a gente ganhava ou arrancava das capas
das tias e primas, ou então fazia com casca de coco, raspando no cimento.
Finca, aro, hélice, estilingue, carretilha e outras coisas o padrinho Tarcísio
fazia para mim. Outros brinquedos, como peteca, béte (ou taco), ioiô, bilboquê
os amigos tinham e nós brincávamos juntos. Uma coisa eu não conseguia ter, e
gostava muito, que era o pião. Mesmo não tendo, eu sabia como brincar e pegava
na mão sem jogar no chão, fazia passar por cima dos fios de eletricidade, mas
não tinha o meu pião. Em casa eu improvisava, jogando um vidro, que chamávamos
de “tinteiro” porque era o vidro da tinta de molhar das marcas Sucuri, Borboleta
ou Trevo, pelo formato. Quem tem mais de 65 anos sabe do que eu estou falando.
Eu conseguia enrolar a fieira e fazer rodar aquele vidrinho no chão. Minha avó
Dinha me pedia para rodar o vidro, para todas as pessoas que a visitavam, pois
ela achava aquilo de uma criatividade ímpar!
Na casa que eu morava, que era da minha avó, tinha um
quintal grande com muitas frutas. Lembro-me de abacateiro, amoreira, mangueira,
figueira, goiabeira, laranjeira, araçazeiro, bananeira, pé de fruta do conde,
pessegueiro e muitas outras árvores, onde brincávamos quase o dia todo. Teve um
ano, que minha Tia Suça – que também morava lá – recebeu uma proposta de vender
toda a colheita dos dois abacateiros e assim chegou um caminhão na porta de
casa e vários homens entraram e foram apanhando os abacates e jogando dentro de
um caminhão. Estragaram tudo, pois colhiam e transportavam sem o menor cuidado,
ficando o quintal cheio de folhas e estragaram todo o araçazeiro e a goiabeira,
que ficavam mais perto dos abacateiros, além da roseira e do pé de jasmim que
ficavam no caminho para a rua. Deixaram um rastro de destruição...lamentável!
Depois que eles foram embora, fiquei lamentando o
vandalismo que fizeram nas nossas frutas. A goiabeira foi quebrada, mas deve
ter sido cortada com um facão, pois ficaram lá vários galhos e o tronquinho –
ela não era grande – que deveria ter cerca de 7 ou 8 cm de diâmetro e aquele
pedaço cortado era bastante “cônico”. Ficou bem no meio da parte mais larga,
uma ponta, que parecia mais forte, uma espécie de miolo duro. Era um pedaço de
madeira curioso, pois estava com aquele miolo no meio do tronco, que afinava
bastante, na parte de baixo. Quando peguei aquele pedaço de madeira, olhei-o e
vi ali uma “piorra”. Se eu cortasse a parte de baixo e a afinasse um pouco mais,
até fazer uma ponta, poderia tentar fazer daquela parte que ficou no meio do
lado mais grosso, o suporte para os dedos apoiarem para fazê-la rodar. Examinei
bem, peguei o canivete de fazer varetas e comecei a burilar aquele pedaço de
madeira. Diminuí a parte central e vi que a madeira era muito dura. Passei o
fio do canivete no tanque de cimento, para afiá-lo e fui tentando cortar a
parte de baixo, para ficar com uns 9 ou 10 cm de comprimento, para fazer minha
piorra.
Acredito que trabalhei o resto do dia tentando afunilar
aquele pedaço de tronquinho de goiabeira. Como para construir os papagaios eu
tinha muita paciência para fazer e alisar as varetas, com o canivete, também
ali fui trabalhando com calma. Quando fui acertar a parte de cima, acho que
cortei com força e arredondou a quina que eu queria deixar. Aí eu fui
arredondando, arredondando e achei que aquilo estava mais parecido com um pião
do que com uma piorra. A madeira era dura, machucava meus dedos, mas eu não
desistia. Todos os dias eu pegava minha peça e trabalhava um pouco nela. Eu já
tinha visto que dava para fazer o formato de um pião, mas de vez em quando eu
errava e tinha que diminuir um pouco o diâmetro. Sinceramente, eu não sei
quanto tempo eu fiquei brincando com aquele pedaço de madeira, tentando dar-lhe
uma forma de pião. Talvez mais de um mês ou até dois.
Um dia, quando já tinha conseguido fazer a “cabeça” do pião
– onde amarra a fieira – comecei a pensar como eu faria a ponteira, que
geralmente é parecida com uma ponta de um prego, mas lisinha, não muito fina.
Depois de quebrar a cabeça e não surgir nenhuma ideia, resolvi levar para o
padrinho Tarcísio ver se colocava uma ponta no meu pião. Ele elogiou, mas disse
que precisava melhorar aquilo. Mandou que eu fosse no vizinho da oficina, que
era uma oficina de reparo de móveis de madeira e pedisse para o Sr. José de
Souza dois pedaços de lixas, uma mais grossa e uma mais fina. Pedi ao Sr. José
de Souza e ele quis saber para que. Quando mostrei-lhe o pião ele disse que ia
me ajudar. Prendeu e grampeou os pedaços de lixas num toco quadrado para eu
“esfregar” o pião, que segundo ele seria mais fácil de segurar para trabalhar,
e, me mostrou como fazer o serviço.
Depois de machucar toda a mão, pois, ao esfregar,
escapava e pegava na lixa, principalmente a parte de trás do polegar, não
desisti, fui até conseguir um formato parecido com um pião. Aí, então, levei
para o padrinho Tarcísio fazer a ponta.
Ele pegou a peça, examinou, disse que precisava de uns ajustes e conseguiu
melhorar o formato do pião, com as lixas. Cortou a ponta da parte de baixo e
pensou em bater um prego para fazer a ponteira. Mas me disse que iria rachar a
madeira. Depois de muito quebrar a cabeça, resolveu pegar a furadeira, fez um
furo ali para colocar o prego, mas aí teve uma outra ideia e em vez do prego,
meteu ali um parafuso de madeira, para evitar que rachasse. Depois foi para o
esmeril e fez a ponteira do pião, esmerilando a cabeça do parafuso, sem
deixá-la muito fina, para poder rodar normalmente no chão. Pronto! Agora tinha
o “MEU PIÃO!”
Nota:
nunca rodou normalmente. Ficou meio “cambeta”. Ele era mais usado para servir
de começo de brincadeira, no meio da roda... Guardei esse pião junto com meu
time de botão, bolinhas de gude e uma finca, quando fui para Muzambinho, numa
caixa, no fundo de um guarda-roupa. Quando voltei e fui procurar meus
brinquedos todos tinham sumido...
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