domingo, 5 de agosto de 2012

Causo 56 BHC


Nicanor de Freitas Filho
            Você sabe o que é BHC? É, ou era, um inseticida, ou veneno, para matar ratos, baratas e qualquer inseto desatento que chegasse perto daquele pozinho meio cor-de-rosa. Era fedido, mas matava essas pragas todas, inclusive os humanos que aspirassem por longo tempo, mesmo que em pequenas doses. Por isso ele foi proibido!
            Em Araxá, na década de 50, havia dois cinemas. O Cine Brasil, mais chique e o Cine Trianon, mais modesto, mas nem por isso ruim. Assisti lá alguns filmes inesquecíveis, como, por exemplo, A História de  Glenn Miller, com a bela June Allison.
            Mas minha ligação maior sempre foi com o Cine Brasil, porque foram operadores o meu Tio, depois o filho dele, meu primo e por último meu irmão. Não só assisti muitos filmes lá, como, às vezes, até lá de cima da cabine de transmissão. Até ajudava a rebobinar alguns rolos de filmes e aprendi a trocar o carvão, do projetor.
            Não me recordo exatamente em que ano foi, tinha lá no Cine Brasil, um operador que era nosso amigo. Trabalhador, ajudava sustentar a família, mas era “farrista”, “bagunceiro” e gostava de um mal feito, daquele tipo que chamávamos de “endiabrado”. Um verdadeiro “capeta”! Mas dava o duro no seu trabalho!
            Um dia ele foi passear numa cidade, que também não me lembro qual, e foi ao cinema lá. Durante a projeção do filme, algum gaiato, foi até o ventilador, que puxava o ar da parte externa do recinto, para ventilar na sala do cinema e foi soltando, aos poucos, pó de rapé por trás do ventilador. Em pouco tempo, todos os que se encontravam na sala, começaram a espirrar. O camarada, muito esperto, se mandou e deixou todo mundo na plateia espirrando sem parar. Ninguém nunca descobriu o tal gaiato.
            Esse “endiabrado” Operador do Cine Brasil, escolheu um filme que era muito esperado – A Última Carroça (Richard Widmark) – e que certamente iria lotar todas as seções do Cine Brasil. Dois ou três dias antes, ele foi até ao armazém e pediu um quilo de rapé. O dono da loja se assustou e perguntou para que tanto rapé, pois normalmente é vendido em gramas. O “endiabrado” Operador ficou um pouco reticente e disse que era para matar insetos. O dono da loja convenceu-o a levar BHC em vez de rapé. Disse que era mais barato e mais eficiente...
            No domingo eu fui ao Cine Brasil, com alguns amigos, inclusive com as irmãs deles, e eu estava de olho numa delas, para namorar. Mas tinha que ter calma! Naquele tempo era tudo muito mais difícil. Ainda mais irmã de amigo!! Acredito que éramos uns seis ou sete amigos sentados na mesma fila. O cinema estava literalmente lotado e tinha muita gente esperando lá fora, pois havia promessa de se fazer uma seção extra.
            O “endiabrado” Operador, quando saiu para jantar, após a 1ª seção, sorrateiramente saiu pelo fundo do prédio, subiu no muro que separava o terreno do Cinema com a casa da outra rua e foi tratar de executar o seu plano.
            Já tinha passado da metade do filme, quando se percebeu que o cheiro no ambiente era ruim, mas ninguém havia percebido ou desconfiado do que se tratava. O filme era bom e todo mundo estava concentrado nele. De repente, ouvimos um barulho muito forte, de alguma coisa sendo triturada por uma máquina (ou talvez pela carroça do filme) que também parecia uma explosão. Aí apareceu no feixe de raios da projeção, uma “fumaça”. Aí sim, todo mundo sentiu os olhos, nariz e a garganta totalmente ardidos e o cheiro do BHC muito forte. Todo mundo levantou e houve aquele tumulto, desespero e aflição para abandonar o local. O operador, lá em cima, custou a entender que estava ocorrendo algo anormal, porque custou chegar lá, o cheiro do BHC. Aí então, quando ele acendeu as luzes é que se viu o estrago. Toda a sala coberta do pó e as pessoas passando umas por cima das outras, aflitas para deixar o local. Todos com lenço na boca e nariz... Muita gente se machucou no espreme-espreme para sair de dentro do cinema.
            O “endiabrado” Operador, foi com o quilo de BHC, num saquinho de papel, e jogou um pouquinho no ventilador da esquerda, que ficava mais fácil de chegar, pelo lado de fora. Quando ele passou para o segundo ventilador, onde o muro era mais estreito, desequilibrou-se e deixou o saco de papel cheio de BHC escapar das mãos e o ventilador “sugou” tudo aquilo de uma vez, batendo nas hélices embaraçando e fazendo todo aquele barulho. Foi uma semana de ardência nos olhos e nariz!
            É lógico que no dia seguinte o dono do armazém, com nariz e olhos vermelhos, que também estava na seção de cinema, foi até à Delegacia explicar o que tinha acontecido e denunciar o autor. E o operador foi parar num Reformatório para jovens “endiabrados”...

7 comentários:

  1. Meu mineiro amigo.. Parabéns pelo causo. Hoje em dia poucos se encontram para contar histórias e você me faz lembrar que elas existem.. Roberto

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  2. Muito obrigado Roberto. Ainda bem que serve para alguma coisa. Esses comentários é que me incentivam a tentar escrever um pouco mais...

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  3. Nicanor, como é bom ter um amigo escritor. Continue a nos recordar da infância e adolescencia tão simples nos cinemas de nossa amada Araxá, bons tempos...
    Abraços, Suzana.

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  4. Suzana, muito obrigado pelo comentário. Vou tentar lembrar de outras coisas desse nosso tempinho bom!!

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  5. Freitas
    Rapé nos olhos dos outros não arde; BHC nos nariz dos outros não envenena. Já a "reforma" no provocador deveria ter-lhe custado os "olhos da cara".
    Abraço - José Carlos - 11/08/12

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  6. Que nada! Quando encontrei com ele uns dois anos depois, ele estava numa boa, tinha ficado numa escola profissional em Belo Horizonte e se divertido muito, segundo me contou...

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  7. Segundo comentário feito no Facebook, o BHC pagou correndo atrás de fumaça: "Julio César Ribeiro comentou: Anos depois, encontrei com o Jair BHC em São Paulo, tinha se tornado sargento do Corpo de Bombeiros! Correu atrás da fumaça, sua vida toda!!!"

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Nicanor de Freitas Filho