quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Eclipse de 1.947


Nicanor de Freitas Filho

Motivado por uma postagem no Facebook, do Professor Ernesto Rosa, sobre o eclipse de 1947, tendo Araxá, como uma das cidades escolhidas pelas Expedições Científicas Estrangeiras, para observação do fenômeno, fui consultar minhas anotações – escritos sobre minha vida – que chamo de “Memórias”, e encontrei algumas notas a respeito. Primeiro, o fato que vou descrever, eu o tenho na minha memória, como um filme. Não tenho dúvidas sobre o que vi. Segundo, o que mais me surpreendeu, é que eu tinha então, três anos e três meses de idade, já que ocorreu no dia 20 de maio de 1947. Eu nasci em 15 de fevereiro de 1944. Terceiro, nunca conversei com ninguém de Araxá sobre esse eclipse, para que me lembrassem alguma coisa que marcasse essa minha lembrança.  Quarto, conversei sim, em Portugal, quando fui, a trabalho em 1993, numa Feira de Cadernos Escolares, conheci lá um cientista americano – que não me lembro o nome – que quando eu disse que era brasileiro, ele perguntou de onde, e eu respondei Araxá, ele me informou que “foi a cidade que deu toda cobertura aos russos, que foram para Araxá, espionar sobre a existência e a qualidade do urânio que tem lá.” Eu que nunca tinha ouvido falar nisto, fiquei um pouco surpreso, mas o Sr. Américo Barbosa, proprietário da melhor fábrica de cadernos de Portugal, na época, e amigo do cientista, estava conosco e confirmou este fato sobre os russos. Quando estava escrevendo minhas memórias em 2011, fui procurar isto na Internet e encontrei esta informação como verdadeira. Descobri que os russos foram para Araxá e os americanos foram para Bocaiuva, ambos queriam também, comprovar que se podia medir distâncias, pela velocidade da luz, uma teoria finlandesa, para ajustar a mira de mísseis, que na época ainda era incipiente. Assim, tinham equipes aqui em Minas e também na África, a uma distância pré determinada, onde o eclipse seria também total, para comprovar tal teoria.
Mas o que importa é de que eu me lembro. Lembro que alguns dias antes do eclipse, a Alayde Rosa – minha prima, que eu chamo de Dedete – arranjou uns vidros e ia lá para casa, na Rua Costa Sena, para enfumaçar com a fuligem da lamparina de querosene, para podermos olhar para o eclipse, no dia, porque não se podia olhar a olho nu. Preparamos muitos vidros para todos olharmos. Não me lembro de ter olhado, mas lembro-me, muito bem, da preparação dos vidros e do falatório e da expectativa a respeito do esperado fenômeno.
No dia, lembro-me que minha família ficou toda ansiosa para a hora do eclipse. A Rua Costa Sena era de terra, onde jogávamos bola, pião, bolinha de gude e tudo mais. Na esquina da Costa Sena com a Carvalho Lopes, em decorrência da erosão da enxurrada, havia um grande buraco, bem perto do muro do Colégio São Domingos, que nós chamávamos de Colégio das Freiras. Na frente da nossa casa, tinha um jardim, que foi onde a família se reuniu, para “olhar o eclipse”. Começou a escurecer em pleno dia, acredito que antes do almoço, e num determinado momento, ficou realmente noite e muito escuro. Também me lembro que não durou muito tempo, talvez uns dez minutos, no máximo, e voltou a clarear. 
Nesse ínterim, ia descendo pela rua, uma pobre senhora, provavelmente analfabeta – o que era muito comum na época – com um saco meio cheio nas costas, e, desandou a chorar, dizendo que “O MUNDO ESTAVA ACABANDO, QUE ERA CASTIGO DE DEUS...” Então a Dinha (minha Avó) e a Tia Suça (Cicinha), tentaram falar com ela, que era apenas um eclipse, fenômeno já esperado, que ia passar logo... Mas a mulher não parava de chorar e dizer mil impropérios, até que chegou na esquina da Rua Carvalho Lopes, e no escuro, caiu no buraco da enxurrada... Aí sim, ela chorou e berrou e blasfemou. E é disso que não esqueço, porque, com meus três anos, fiquei muito assustado com os gritos dela, até que alguém que estava na Venda (ou seria Bar?), que ficava do outro lado, na Rua Costa Sena mesmo, foi lá para ajudá-la a sair do buraco. Quando a tiraram já estava clareando, por isso que me lembro que não foi por muito tempo. Lembro-me também de terem me vestido um agasalho, porque esfriou, mas não acredito que tenha chegado a zero grau, como se disse.
O que não descobri, foi o que os russos espionaram por lá, porque, pelo que sei o nosso urânio foi quase todo para outros lugares...

6 comentários:

  1. Nicanor, realmente os russos não encontraram urânio em Araxá, onde a família Moreira Salles ganha muito dinheiro com o Nióbio, que entra na composição de
    aços de altíssima qualidade. O uso desses aços para fins especiais, como em armazenamento e tubulações de usinas nucleares, etc. talvez tenha levado o jornalismo da época a confundir o metal (Nióbio ou Urânio). Nagado

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Nagado, na verdade quem explora o nióbio em Araxá é a CBMM. Mas o nióbio só começou a ser explorado quando já estava em declínio o urânio, tório, tântalo, apatita e outros tantos minérios uraníferos que tem por lá. Foi publicada uma foto aérea que mostra que as minas da CBMM tem o triplo de extensão da cidade (parte urbana) de Araxá.

      Excluir
  2. Freitas, refazendo o comentário, já que o original sumiu: essa história você conseguiu retirar bem lá do fundo do baú da memória; pitoresca e gostosa de ler. A competição entre russos e americanos (Araxá x Bocaiúva) já era um reflexo da Guerra Fria entre as duas potências. Abraço - JCN

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Zé Carlos, quando escrevi nas minhas Memórias, eu não sabia que o eclipse tinha sido em 1947. Sabia que eu era muito pequeno, mas nem tanto. Só em 2011 e que tomei conhecimento de que eu era da idade que tem minha neta hoje. É claro que já estava em plena Guerra Fria e o que queriam determinar era a medida de distâncias, para arremesso de mísseis com mais precisão e o eclipse foi uma excelente oportunidade de fazer o teste que, os finlandeses diziam ter descoberto.
      O que me levou a escrever, foi o fato de terem publicado no Grupo do Facebook, que ainda estão lá, as bases de cimento que foram construídas para a instalação dos equipamentos...

      Excluir
  3. Oi Nicanor
    Adorei ler seu relato sobre o eclipse de 1947, certamente eu não sabia nada respeito por vários motivos.
    Abs
    Sofia

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Inclusive pela sua idade! Ha ha ha ha ... Mas eu também só me lembrava da senhora chorando e dos vidros enfumaçados. Em 2011 foi que pesquisei um pouco sobre o tal do eclipse...

      Excluir

Obrigado pelo seu comentário! É sempre muito bem vindo.
Nicanor de Freitas Filho