Nicanor de Freitas Filho
Vim para São Paulo em meados de março de 1964, recém-formado
em Técnico Agrícola, na Escola Agrotécnica de Pinhal. Vim para fazer cursinho e
me preparar para prestar vestibular em Viçosa (UFV) ou Piracicaba (ESALQ). Já
vim com o emprego “meio” garantido, na Cooperativa Agrícola de Cotia (CAC),
cujo Diretor de RH tinha ido à Escola, convidar os Técnicos Agrícolas para vir
trabalhar na CAC.
Dentre as opções de cursinho para vestibular, acabei
escolhendo pelo preço, que era o do Grêmio da Faculdade de Filosofia, que
ficava na Rua Dr. Albuquerque Lins, em Higienópolis. Era longe da pensão que
fui morar, na Rua Butantã, em Pinheiros, mas fazer o que? Era o que dava para
pagar. Fui com muita alegria, conhecer o tal Cursinho e no primeiro dia,
encontrei um rapaz muito solícito e simpático, o José Augusto Ferraiol, que
muito me ajudou, principalmente me deixando usar sua biblioteca, pois eu não
tinha dinheiro para comprar livros. Mas ia à casa dele para estudar. O pai dele
era o dono das Casas Fausto, uma boa loja de roupas para homens.
Mas surpresa maior foi no primeiro dia de aula de
Matemática. Eis que entra na sala um araxaense, o Professor Ernesto Rosa Neto!
Ele não me reconheceu, mas terminada a aula fui falar com ele e disse que era
de Araxá, filho da Edith e sobrinho da Tia Alayde, que por sinal era tia dele
também, pois era casada com o Tio João Rosa, irmão do Avô do Ernesto. Foi uma
das pessoas mais importantes, para mim, aqui em São Paulo. Ajudou-me muito, me
orientou e me ajudou, me encaminhou nos estudos, levando-me a fazer o curso de
Ciências Econômicas e não o de Agronomia. Para isso, ele me conseguiu um
emprego de meio período, no Banco Comércio e Indústria de Minas Gerais.
Ele foi o único professor que tive, que nunca dava os
resultados dos problemas. Simplesmente dizia “certo” ou “errado”, mas se errado
não dizia a resposta certa! Nós ficávamos loucos da vida, porque quase todos os
dias de aulas de Matemática, ele sempre deixava um ou dois “probleminhas” para
nós resolvermos e levar as respostas na próxima aula. Só ficávamos sabendo a
resposta se alguém acertasse, pois então ele dizia “certo” e aí podíamos ver o
que era certo. E o dia que ele dizia “errado” para todos? Todos ficavam encabulados!
Teve um dia que ele chegou com um problema “mimeografado”
(quem não souber o que é isso, procure “mimeógrafo” na Internet) que era um
desses que tem desenho. Tinha uma ilha com sete pontes e mandava passar somente
uma vez em cada ponte e entrar e sair da tal ilha, não sei quantas vezes.
Quebramos a cabeça, sozinhos, em conjunto, ninguém conseguiu um “certo”. Ele
olhava e dizia “errado”...”errado”...”errado”... Ninguém nunca conseguiu saber
qual era o resultado daquele problema. E ele não dizia!
Sempre fiquei com aquele problema na cabeça e às vezes
tentava ainda fazer uns rabiscos. Passaram quase cinquenta anos, perdi o
contato com ele, quando fui morar em Cuiabá. Voltei e ele tinha se mudado do
Jardim Bonfiglioli e não o encontrei mais. Quando foi em maio de 2011, minha
filha, que ficou morando no meu endereço antigo, me ligou dizendo que tinha um
Sr. Ernesto me procurando e encontrou o telefone dela, pelo endereço. Liguei
para ele, e ele queria meu endereço para me enviar um exemplar do livro Sertão
da Farinha Podre. Eu, imediatamente disse que lhe passava meu endereço, mas
preferia ir buscar pessoalmente o livro. Peguei o novo endereço dele e marcamos
num domingo à tarde e fui lá buscar meu exemplar do Sertão da Farinha Podre
(quem não leu ainda, é um romance que conta a história do nascimento do arraial
que deu origem a cidade de Araxá).
Para não ir de “mãos abanando” levei para ele, um
exemplar de um livro sobre a Arte Barroca no Brasil, com lindas fotos. Livro de
capa dura, muito bonito! Como cheguei na casa dele, entreguei logo o presente
para ele, que o abriu e ao ver o livro disse: “Vais levar uma manta!” Referia-se ao tamanho do livro que eu ia ganhar,
comparado com o que lhe levei. Conversamos muito tempo, fiquei conhecendo dois
filhos dele e ele conheceu minha esposa. Relembramos de alguns detalhes das
aulas de quarenta e tantos anos atrás, principalmente
o fato que ele nunca nos dava as respostas dos problemas, etc.. Quase na hora
de sair, disse a ele que queria lhe fazer uma pergunta, no que ele prontamente
disse que poderia fazê-la. Perguntei então qual era a resposta correta para
aquele problema das sete pontes. Ele logo brincou, dizendo que não dava
respostas dos problemas. Finalmente ele me olhou rindo e disse: “Não
sabe mesmo qual a resposta? Não tem resposta! Ou melhor, não tem solução o
problema...”
Cáspita! E eu que fiquei com aquilo quase cinquenta anos
na cabeça...
Esta postagem é uma homenagem. Amanhã é aniversário do Ernesto. Estou fazendo a postagem hoje, porque amanhã estarei em Pinhal para um encontro de ex-alunos.
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