quinta-feira, 29 de junho de 2017

Meu Curso Clássico

No dia que postei “Vestibular para Economia” recebi, por e-mail, o seguinte causo do Dr. José Geraldo Filomeno, Promotor aposentado, que tive o prazer de conhecer durante uma viagem em 2014, contando algo parecido. Aliás, nós que nascemos nos anos 40/50, praticamente passamos por tudo isto, de modo muito parecido.
            Curiosamente, vocês vão ver que nos meus causos, já contei muito sobre minha vinda para São Paulo, em março de 1964, para fazer cursinho – no caso para Agronomia – mas acabei fazendo mesmo Economia. Curiosamente, consegui tirar minha primeira Carteira Profissional no dia 19 de março de 1964, que foi o dia da maior manifestação contra o Governo de Jango Goulart, aqui em São Paulo, que chamaram de “Marcha da Família com Deus pela Liberdade” e dizem que participaram cerca de um milhão de pessoas, que foram da Praça da República à Praça da Sé. No dia 31 de março houve a “revolução”, o que atrasou meu registro na Carteira Profissional, que só aconteceu com data de 1º de maio de 1964 (acreditem, o primeiro registro na minha CP é do Dia do Trabalho).
            Mas leiam o causo dele que é realmente muito curioso:

Meu Curso Clássico
José Geraldo Filomeno
            “Minha história é parecida. Como odiava matemática, recusei-me a fazer o Curso Científico lá na minha terra, Mogi Mirim. Isto porque o Colégio Estadual somente disponibilizava esse curso médio, além do Normal. Curso Normal, naquela época era praticamente destinado às moças que queriam ser Professoras.
            Meu pai, então, foi falar com o diretor que exigiu, no mínimo, 15 pretendentes para criar o Curso Clássico. Mas, além de mim, somente conseguiu mais 4 pretendentes. Resultado: fomos nós --- três rapazes e duas moças ---, estudar em Itapira, distante 16 quilômetros, mas naquela época as estradas não eram muito boas! Saíamos de madrugada (1962) num velho “carro de praça” (táxi era para cidade grande!) um Ford 1946, e voltávamos de ônibus depois das aulas, também num Colégio Público. As moças não aguentaram nem dois meses e voltaram para Mogi Mirim para o Curso Normal. Um dos meus amigos faleceu durante as férias de janeiro/fevereiro, em 1963, num acidente de carro, o outro repetiu de ano, e então fiquei sozinho para o 2º ano, viajando diariamente.
            No 3º ano, já em 1964, foi que meus pais me mandaram para S. Paulo para fazer o Cursinho Castelões também em conjunto (na R. São Bento). Nessa época fui morar no apartamento de uma tia, irmã de meu pai, professora primária, no bairro da Aclimação. No dia 31 de março, à noite, meu pai ligou mandando que eu voltasse imediatamente para Mogi Mirim, porque ele fora informado de que havia uma “revolução” em curso, e ele e minha mãe ficaram muito preocupados. Peguei o “Cometão” (linha São Paulo/Poços de Caldas) no dia seguinte, 1º de abril, aliás, véspera do meu aniversário, e no pedágio, perto de Jundiaí nosso ônibus foi parado por um destacamento do exército que pediu documentos para todos os passageiros. “Molecão” então com 16 para 17 anos, não tinha atinado com a situação, e cheguei em Mogi Mirim na hora do almoço, para alívio dos meus pais. Por “ordem” paterna, somente retornei a São Paulo 15 dias depois, quando, segundo o velho, as coisas estavam “mais calmas”.

terça-feira, 27 de junho de 2017

Abacate e Banana

Hoje, 27/06/2017, faz 6 anos que fiz a primeira postagem nesse meu Blog. Então, não poderia deixar de postar algo. Gostaria mesmo de “meter o pau” na Datafolha, ou “PataTolha”, como gosto de escrever, pois, ontem, às vésperas do Dr. Sérgio Moro dar a sentença do Lula, eles soltaram uma “pesquisa” (que só eles sabem como foi feita e porque)dando como resultado que o Dr. Moro teria 44% de votos num segundo turno e o Lula 42%. Isto para justificar a condenação, que tem que vir, como uma forma de evitar a candidatura do apedeuta. Por pura coincidência, a "Narizinho" soltou uma nota dizendo que, se o Lula não participar das eleições de 2018, será uma fraude! Pasmem!!
            Mas vou ficar nos meus causos mesmo!

Abacate e Banana
Nicanor de Freitas Filho

            Depois de entrar na Faculdade, como contei, morava na casa da Aurora e Zé Pedro, meus primos, e passei a ter muito contato com outros primos, a Glória e o Vilaça. Frequentava a casa deles e vários finais de semana ia visitá-los e eles me levavam para passear num Clube em São Bernardo. Foi ele quem me convidou para ir trabalhar na SPI – Sociedade Paulista de Investimento Crédito e Financiamento, uma Financeira que ficava na Rua Major Sertório, entre a Rua Rego Freitas e a Bento Freitas. O convite deu-se porque eu já trabalhava em Banco e tinha alguma experiência em Contabilidade. Tinha outras empresas no Grupo, mas na Financeira eram o Vilaça que era o Gerente, o Carlos Onodera que era o Contador e eu que era Auxiliar de Tudo. Aprendi muito com o Vilaça e com o Carlos.
            O Carlos morava numa pensão na própria Rua Major Sertório, a uma quadra da Financeira e me incentivou a me mudar para pensão também. O dono da Pensão era um húngaro, que o chamávamos de Seu Sandro, mas o nome húngaro dele era Sándor. E consegui alugar um quarto com apenas duas camas, porque tinha lá quartos com até quatro camas. O Carlos, como era mais rico, pagava dois alugueis e tinha um quarto só para ele. Lá era só para morar. Não servia refeições, como na pensão que morei no Butantã, quando vim para São Paulo e trabalhava na Cooperativa Agrícola de Cotia em Pinheiros. O Seu Sandro nos indicava uma pensão que só servia almoço, na Rua Amaral Gurgel.
            Eu estudei com um descendente de húngaro em Pinhal, o Ferenc Gyula Kleinmeyer, que nós o chamávamos de Púskas, por causa do famoso jogador do Real Madrid, cujo primeiro nome também é Ferenc. Um dia eu estava chegando à pensão, quando dei de cara com o Púskas, cujo pai era muito amigo do Seu Sandro e ele tinha lá na pensão, um outro amigo, também húngaro, cujo nome era Andris, mas que chamávamos de André. Aí, fomos almoçar juntos o André, Púskas e eu. Lá conversando o Púskas me contou a seguinte história:
            “O André, veio sozinho para o Brasil e foi morar numa outra pensão na Moóca. Falava muito mal o português mas se virava. Quando ele descobriu a pensão do Seu Sandro, ele se mudou e passou a almoçar na pensão da Rua Amaral Gurgel. Um dia serviram uma sobremesa que era abacate batido com leite condensado. Ele perguntou o que era e lhe informaram. Ele não quis comer. Então lhe ofereceram banana, que ele também não quis. Esta cena, de recusar banana e abacate, se repetiu várias vezes, até que um dia a dona da pensão ficou brava com ele e perguntou porque ele não aceitava a sobremesa. Ele contou que lá na pensão da Moóca também não tinha refeições. Então, ele com pouco dinheiro, comprava frutas para o jantar. Um dia ele passou na banca de frutas e viu uma bela fruta verde, que lhe informaram que chamava abacate. Ele comprou dois e levou para a pensão. Descascou, igual se descasca laranja, tentou a comer. Os abacates ainda estavam verdes. É obvio que deve ter sido realmente horrível. Ele nunca mais quis nem chegar perto de abacate!
            E as bananas que ela servia eram bananas nanicas, daquelas que,quando maduras, ficam pintadinhas. Ele achava que aquelas pintas pretas eram de bichos e morria de nojo! Então, quando ele encontrou o Púskas e o viu comendo tanto uma quanto outra, questionou como ele comia ‘aquelas porcarias’. O Púskas explicou para ele que era uma delícia essas frutas brasileiras e o fez experimentar. Mostrou que o abacate maduro batido com leite condensado era delicioso e a banana com pintas era porque estava bem madura. A partir daí esse húngaro, Andris, passou a comer banana nanica e abacate todos os dias e de todas as maneiras.
            Um dia esteve almoçando na pensão, um chileno, que eu não conheci, mas ensinou o Andris a comer abacate também na salada. E ele sempre pedia para a dona da pensão que acrescentasse na salada dele, pelo menos, dois pedaços de abacate!”
            Por isso eu digo sempre para as crianças: “tem que experimentar de tudo, mas da forma certa!”

sábado, 17 de junho de 2017

Vestibular para Economia

Nicanor de Freitas Filho

            Já contei aqui, minha vinda para São Paulo, em 1964, quando fiz cursinho para Agronomia e o Professor Ernesto Rosa, me “avaliou” e sugeriu que eu estudasse Economia, porque era muito improvável que eu passasse no vestibular para Agronomia, por causa, principalmente, da dificuldade que eu tinha em Biologia e Química. Veja no link: http://freitasnet.blogspot.com.br/2015/09/lembrancas.html  .
            Aceitando a sugestão e a ajuda dele, passei a trabalhar meio período e estudar mais para fazer o vestibular para Economia. Isto em setembro de 1964 e os vestibulares, naquela época, eram todos no mês de dezembro. Tive muito pouco tempo para estudar as matérias concernentes à Economia. Mas com a ajuda dele e de outros professores, que sabiam da minha dificuldade financeira e a falta de condições, me davam força e me ajudavam no que podiam. Eu me esforcei ao máximo e não deixava de estudar sempre e com muito afinco. Tinha também o apoio da Aurora e do Zé Pedro, para a casa dos quais eu me mudei, pois não estava dando conta de pagar a pensão e o cursinho. Antes, todo mês eu ia até a casa dele e pedia cinco contos emprestados. No terceiro mês ele me chamou e perguntou se não era melhor eu ir morar na casa dele, pois estavam sem empregada e o quarto de empregada era muito bom, grande e tinha até condições de estudar lá, pois tinha a mesa de passar roupa. A casa dele ficava na Rua Paim, quase esquina da Rua Frei Caneca, na Bela Vista. Eu trabalhava no Banco Comércio e Indústria de Minas Gerais, na Rua Boa Vista, perto do Largo São Bento e o Cursinho ficava na Rua Dr. Albuquerque Lins, perto da Alameda Barros, em Higienópolis. Saía do Banco às 18:00 h pegava o ônibus “Circular Avenidas” descia na Avenida Angélica, e o dia que tinha dinheiro, parava na padaria e comia um pão com mortadela, o dia que não tinha, tomava um café, na maioria das vezes, “filado” de algum colega, principalmente do José Augusto. As aulas começavam às 19:30 h e iam até às 23:30 h. Terminadas as aulas, eu saía a pé, e ia até à Rua Paim, na Bela Vista. São cerca de 3 km e eu gastava mais de meia hora. Subia a Dr. Albuquerque Lins até à Av. Higienópolis, andava toda a avenida até o Makenzie, pegava a Rua Maria Antonia, inteirinha, a Caio Prado até à Rua Frei Caneca, para chegar na Rua Paim. (momento marcante: nunca me aconteceu nada) Procurava vir pelo meio da rua, assobiando para não ter tanto medo e chegava em casa, geralmente,por volta da meia noite e meia. Tomava meu banho e estudava até não aguentar mais. Dormia, e, na verdade, poderia levantar-me mais tarde, pois entrava no Banco ao meio dia. Mas quando era por volta das 7:30 h escutava uma bolada na porta do meu quarto. Era o Eliseu, então com quatro ou cinco anos, me chamando para jogar bola com ele. Desta forma, acostumei-me a dormir cerca de quatro horas por noite e estava pronto para o novo dia. Às vezes eu precisava estudar em algum livro caro, que eu não o possuía. Então pedia emprestado para o José Augusto, colega que conheci no cursinho, que morava no Pacaembu e o pai dele tinha uma rede de lojas de roupas masculinas. (Depois conto sobre ele com detalhes). Mas referi-me a ele, porque algumas vezes ele ia trabalhar com o pai, nas Casas Fausto, e eu ia para a casa dele estudar na biblioteca dele. A Mãe dele, que me chamava de “Mineirinho”, me deixava quieto lá na biblioteca estudando e algumas vezes até almoçava com ela, para depois ir direto para o Banco. Quero mostrar que podendo eu estudava sem parar. Tinha que passar ou passar no vestibular. Eu já tinha perdido três anos de estudos. Fiquei um ano sem estudar em Araxá, quando saí do Grupo Escolar. Tomei uma bamba em Muzambinho, e por causa da greve de Pinhal, em 1963, também perdi um ano, que era este que estava, então, fazendo o cursinho.
            Chegado dezembro, fui relativamente bem avaliado no cursinho, mas me informaram que na USP seria difícil passar. Que tentasse outras Faculdades boas, como PUC, São Luis, Makenzie e FAAP. Fui, assim mesmo, fazer o vestibular da USP, mesmo porque foi o primeiro a ser marcado. Fiquei muito animado quando vi a nota de Matemática, que era eliminatória, 7,5. Era uma boa nota, sem dúvida. Fui razoavelmente bem em Português e Inglês, mas em História tirei um 1,75. Foi uma lástima!
            A segunda Faculdade a marcar data foi a Faculdade São Luis, na Avenida Paulista. Quem era eu para passar lá? Ia ser muito difícil também. Mas fui fazer. Fui muito bem em Matemática e Português. Inglês nem me lembro, e Geografia e História, provas feitas juntas, de múltiplas respostas, diferente das de Matemática e Português, não sei como eu passei! Devia saber alguma coisa e devo ter “chutado certo” outras respostas e fui aprovado em (momento marcante) 30º lugar, num total de 100 vagas. Era muito bom para mim! O resultado saiu na véspera do Natal, então a Aurora disse que íamos comemorar na Ceia do Natal. O Zé Pedro tinha ganho uma caixa de vinho francês e abriu durante a ceia. Lembro-me que a família de uma prima da Aurora foi passar o Natal com ela. Era a Cida, que junto comigo “enchemos a cara”. Fiquei tão bêbado que não conseguia subir a escada para ir ao banheiro... Valeu!!
            No terceiro ou quarto dia de aula, estávamos conversando no corredor, uns cinco ou seis colegas, tentando nos apresentarmos, pois quase ninguém sabia o que os outros faziam. Eu ouvi que um trabalhava na Cia. Telefônica, outro na Abril, outro na Nestlê e eu trabalhava há poucos dias numa empresa pequena, do ramo financeiro chamada SPI – Sociedade Paulista de Investimento. Fiquei um pouco amargurado com minha posição, mas imaginei que estava começando e por certo iria crescer na empresa. Todos comentando o que faziam e eu não tinha muito para contar, então quando me olharam, como que perguntando sobre meu trabalho, eu sem saber o que falar, disse, com certo orgulho: “Eu fiquei muito satisfeito de entrar aqui na São Luis, pois passei em 30º lugar!”  Do meu lado estava o colega Roberto Ozéas, que falou: “Essa classificação não significa nada, eu passei em 1º lugar... o que que eu ganhei?” Eu quis dar os parabéns mas os outros começaram a rir... 


terça-feira, 13 de junho de 2017

Ah! Se fosse hoje!

Nicanor de Freitas Filho

            Em 12/06/2007, portanto há dez anos, como já contei aqui, sofri um infarto do miocárdio, seguido de uma parada cardiorrespiratória que resultou na colocação de quatro stents, em três angioplastias e, realmente, foi o que me fez parar de trabalhar no mercado gráfico-editorial, em que eu estava havia cerca de 30 anos. Em decorrência desse fato, recebi muitas visitas de amigos, em minha casa, que na época era no Edifício Isabel de Castela na Rua Haddock Lobo.
            Uma dessas visitas foi do casal amigo, Glória e Pedro, que moram no Rio de Janeiro. Estando em São Paulo, foram em casa me visitar. Ficamos conversando até por volta das 22:30 h e eles iam dormir na casa de uns primos que moram em Perdizes. Minha mulher disse que íamos levá-los, pois já era um pouco tarde. Eu não estava dirigindo, então ela que teria que ir dirigindo. Como todo casal de paulistanos, já que era minha mulher que estava dirigindo, foram no banco da frente ela e Glória. O Pedro e eu sentamos no banco de traseiro.
            Como moramos lá por 33 anos e nossa vaga de garagem nunca mudou, ficava bem atrás do elevador, de forma que saíamos e dirigíamos ao carro sem mesmo ver o resto da garagem, e a gente fazia a manobra de ré, para pegar a saída do portão, quase que sem olhar. Só tinha que ter cuidado com um pilar que fica à esquerda de quem está dirigindo de ré. Entramos no carro que era beije, e ainda conversando ela manobrou normalmente até que viu o pilar passar e nesse momento escutamos um barulho de raspar. Ela imediatamente freou o carro e não sabemos como, estava parado, fora das vagas, à esquerda dela, um carro preto, acredito que era uma Tucson, quase no vão da saída. Não tinha a mínima lógica aquele carro parado ali. Pensamos que era um visitante ou alguém que foi buscar algum morador, pois não conhecíamos o senhor parado ao lado do carro preto.
            Minha mulher desceu, desculpou-se, mas perguntou porque ele estava parado ali, no caminho de saída. Ele, de terno e gravata, foi de uma grossura com ela, dizendo que não lhe devia satisfação, era morador do prédio e estava aguardando a mulher dele que havia subido por ter esquecido algo. Mas disse isto de maneira grosseira e agressiva! Então imediatamente descemos, meu amigo e eu.  Já me coloquei à frente dele e a primeira coisa que fiz, foi olhar o tamanho do estrago. Não tinha acontecido nada, pois ela estava manobrando muito devagar. Apenas ficou uma marquinha beije, no pára-choque preto dele. Ele, de maneira muito agressiva, perguntou se morávamos no prédio, e eu respondi que só há 33 anos! E também já perguntei de qual unidade ele era morador. Ele disse novamente, que não devia satisfação. Então agachei e passei a mão sobre o pára-choque dele e saiu toda a marca na minha mão. Não ficou nada. Mas mesmo assim ele disse que ia fazer uma “ocorrência”! Oi? Ocorrência? Sim! “Vou chamar o zelador e vou fazer a ocorrência.” Eu fui bem claro com ele. “O Zelador esta hora está dormindo, porque levanta muito cedo. Dei o número do meu  apartamento e disse que  poderíamos conversar na manhã seguinte.” “Não! Vou chamá-lo.” Foi até ao interfone e mandou chamar o pobre Zelador, que além de tudo é muito meu amigo, pois eu fui o segundo morador do prédio, tinha sido Síndico duas vezes, sempre fui do Conselho Deliberativo, inclusive eu, junto com Dr. Ari, quem escrevemos o Regimento Interno definitivo do Prédio.
            O Zelador chegou, nitidamente com sono, de forma que dava para saber que ele foi acordado – nessas alturas já passava das 23:00 h – e o doutor de gravata já foi falando que... “esta senhora bateu no meu carro. Manobrou de forma perigosa e distraída. Queria fazer uma ocorrência para tomar as devidas providências.” O Zelador olhou no carro dele, onde já não tinha mais nada e perguntou onde bateu. Ele apontou o pára-choque  e o Zelador agachando e chegando bem perto, riu e disse que aquilo não era “batida”. Dirigiu-se ao container de lixo, pegou um pano, foi até à torneira molhou e passou com força sobre a grande “batida”.  Aí desapareceu de tudo mesmo!
            O doutor de gravata porém disse para o Zelador anotar no livro de ocorrências, porque ele iria tomar as providências. Repetiu isso umas três ou quatro vezes, nitidamente querendo nos intimidar. Eu então, disse, que se ele quisesse conversar no outro dia, estaria em casa o dia todo. Ele, sempre com muita grosseria e arrogância, disse que tomaria as providências. “OK! O senhor, por gentileza,  pode afastar seu carro para sairmos, pois temos que levar nossas visitas?” Ele com toda a arrogância e má vontade, afastou o carro. Entramos e nos fomos. Nem me preocupei, pois realmente não tinha acontecido nada.
            No dia seguinte, procurei o Zelador para saber como ele iria “registrar a ocorrência” e ele me disse para não me preocupar, pois não ficou nenhuma marca e que ela já tinha conversado com o doutor e lhe explicou que não tinha livro de ocorrência. Disse para eu só ficar de olho, porque ele ainda repetiu que ia tomar providências. Talvez vá até alguma delegacia, fazer um BO, pois além de tudo ele é advogado.
            Nessa época morava lá no nosso prédio o Fábio Luis, o Lulinha, e tinha uma amiga dele, que segundo me informaram, era a filha daquele camarada que emprestava a casa para o Lula morar, antes dele “comprar” o apartamento em São Bernardo. Ela que tinha alugado lá primeiro e depois arranjou uma unidade para o Lulinha alugar. Aliás, diga-se, várias vezes encontrei com o Lulinha no elevador, sempre educado e cordial. Cumprimentava, abria a porta para as senhoras e os mais velhos. Nada a ver com a imagem que temos do pai.
            Passados dez anos, que mudei-me de lá, hoje moro bem perto e sempre vou lá, e os funcionários ainda são os mesmos, inclusive o Zelador. São meus amigos, falamos de futebol, pois são três corinthianos e um sãopaulino. Não é que o Zelador me disse, recentemente, que sempre que vê os depoimentos da Lava Jato na televisão lembra-se de mim, da falta de educação daquele doutor que certa vez encostamos no pára-choque do carro dele. Eu nunca tinha me dado conta, mesmo porque não prestei a mínima atenção no mal educado, mas trata-se de (momento marcante) Cristiano Zanin, advogado do Lula. Pode? Ah! Se fosse hoje!

sexta-feira, 9 de junho de 2017

Alistamento Militar

Alistamento em Ponta Grossa – Apresentação em Campinas – Juramento à Bandeira em Araxá – Emissão do Certificado em Três Corações...
Nicanor de Freitas Filho

            Quando completei 17 anos, estava morando em Ponta Grossa no Paraná na Escola Agrotécnica Dr. Augusto Ribas. (No causo 100 eu já contei sobre a formação da Fanfarra de lá: https://freitasnet.blogspot.com.br/2017/04/autoridade-e-comando.html ) Como já expliquei, estudei na Escola Agrotécnica de Muzambinho por 5 anos, onde fiz os cursos de Iniciação Agrícola e Mestre Agrícola. Fiquei 5 anos porque levei uma bomba em Francês, no segundo ano. Por problemas políticos, eleição de Juscelino Kubitschek, para Presidente da República, havia sido tirado o Curso Técnico de Muzambinho. Os alunos mais velhos que eu, turma 1953, foram todos, ou a maioria, transferidos para Barbacena, creio que em 1958 e foi lamentável! O terceiro Diretor da minha época, Dr. Paulo de Azevedo Beirutti, dizia que ia conseguir trazer de volta o Curso Técnico para Escola. Eu acreditava nele e já no final do segundo semestre, quando vimos que não teríamos o Curso Técnico, já era tarde para procurar uma nova escola e quando o fiz já não consegui vagas onde queria. Então fui para Ponta Grossa, no Paraná, onde fiquei um ano. Foi muito bom como experiência de vida.
            Com 17 anos os jovens têm que fazer o Alistamento Militar. Lá em Ponta Grossa, como tem um Quartel do Exército – aliás, de onde foram convocados os militares, para irem para Curitiba quando do depoimento do Sr. Lula ao Juiz Dr. Sérgio Moro e também onde consegui os instrumentos para nossa Fanfarra – é lá que se faz o Alistamento Militar. A Unidade do Exército é bem perto da Escola Agrotécnica e lá fui eu com todos os documentos, fotos 3 x 4, tudo como era exigido. Quando cheguei ao Setor de Alistamento, tinha um balcão com dois guichês e eu fui atendido por um Tenente. Vem aquela série de perguntas e quando chegou na cor dos olhos eu respondi “verdes”. Ele levantou os olhos e disse: “Não. Seus olhos são azuis” Eu disse que todos na minha família diziam que puxei meu pai e saí com os olhos verdes. Ele olhou de novo e falou “azuis esverdeados”. Eu sorri e ele então chamou uma secretária, que estava lá datilografando e lhe perguntou qual a cor dos meus olhos. Ela me olhou e disse que pareciam verdes mas também azuis e disse: “verdes azulados”. Eu comecei a rir, pois nunca ninguém havia questionado sobre a cor dos meus olhos. Eram verdes! Então o Tenente definiu e escreveu lá no formulário: “azuis esverdeados”.
            Isto posto, lembro que no ano seguinte, consegui transferência para Escola Agrotécnica de Pinhal, onde me formei em Técnico Agrícola em 1963. Nesse ano, tinha como residência a Escola de Pinhal e recebi a “intimação” para me apresentar para seleção de recrutamento para incorporação ao Exército. Em Pinhal, como não tinha sede, deveria me apresentar em Campinas e quando mostrei o endereço para o Oscar, colega que residia em Campinas, ele disse que era no Estádio da Ponte Preta. O Dr. Armando, médico da Escola, já havia me prevenido que eu não seria selecionado para incorporar, pois naquela época eu já usava óculos com 5,75 graus de miopia. Não enxergava quase nada, sem os óculos!
            No dia marcado fui para Campinas e me dirigi ao Estádio Moisés Lucarelli, da Ponte Preta. Lá chegando deveria ter algumas centenas de jovens para a tal seleção.  Eles foram chamando cerca de 50 jovens de cada vez e deram preferência para quem morava fora de Campinas. Assim fui logo chamado, na quarta ou quinta turma, depois que cheguei.
            Lá dentro, éramos dirigidos ao vestiário e tinha lá um Sargento comandando, dando as ordens. Separava de 20 em 20, e dizia: “Tirem toda a roupa, pendurem no cabide, guarde bem o número do cabide para não arranjar confusão.” Um mais esperto que nós já foi saindo para a sala de exame, quando o Sargento meteu a mão no peito dele e disse: “Eu disse para tirar toda a roupa”. Mas eu tirei ele respondeu. E o Sargento:”É pelado como você nasceu! Você nasceu de cueca?” O camarada muito sem graça voltou para tirar a cueca.
            Como na Escola a gente vivia pelado nos dormitórios, não tínhamos nenhum preconceito de ficar totalmente pelado perto uns dos outros. Tirei tudo coloquei no cabide nº 17 e fui saindo. Eu era o quarto ou quinto ali na sala de exames. Veio o médico Capitão e disse: “Levantem as mãos; palma da mão para baixo; fiquem só no pé direito; fiquem só no pé esquerdo; levantem o joelho; fiquem de costas; levantem um dos pés...Espere ali na esquerda” Ai um por um: “Abra a boca, põe a língua pra fora”.  Atrás da mesa dele, tinha lá umas linhas com letras. Ele pegava uma vareta e apontava uma letra e perguntava que letra era. Eu, sem óculos, não conseguia ler nada. Ele foi subindo para as letras maiores. E chegou uma hora ele perguntou: “O senhor sabe ler?” Eu disse que sim. “O senhor enxerga bem?” Eu disse que de óculos sim. Ele me olhou com olhar de bravo e disse: “Então vai pegar os óculos!” eu respondi (momento marcante): “Mas eu não nasci de óculos”. Aí, mais bravo ainda, ele me disse que não era brincadeira e que fosse pegar os óculos e voltar para o fim da fila. Eu voltei para o vestiário e o Sargento me perguntou se já tinha feito todos os exames. Eu expliquei que apenas pegar os óculos. Ele disse: “Porque você tirou os óculos?” E eu respondi: “Porque não nasci de óculos!” Ele ia me dar a bronca, mas começou a rir e disse: “É eu falei que era para ir como nasceu.Você tem razão. Vou lá explicar para o Capitão”.
            Voltamos juntos para a sala e ele disse para o Dr. Capitão o que tinha acontecido. Então ele me pediu para ver os meus óculos. Olhou, virou para o claro da janela e perguntou: “Quantos graus o senhor usa?” Respondi: “5,75 no direito e 5,5 no esquerdo”. “Pode ir, com essa visão você será dispensado”. Que bom!!
            Em 1964, quando foi emitido meu Certificado de Reservista de 3ª Categoria, em Três Corações, MG – porque aí meu endereço já era de Araxá, onde fiz o Juramento à Bandeira – não sei por que motivo, tiraram da cor dos meus olhos os “azuis” da expressão “azuis esverdeados”. No Certificado aparece apenas “esverdeados”. 


segunda-feira, 5 de junho de 2017

Ruy Barbosa

Amigos, estava procurando uma frase de Martin Luther King, na coleção de frases que guardo, quando encontrei esta joia de Ruy Barbosa, que se não tivesse falecido em 1923 eu diria que a escreveu ontem:

“Não contesto a utilidade das reformas, tenho sido constantemente o seu advogado caloroso; força é, porém, reconhecer a situação moral em cuja presença as melhores reformas perdem todas as garantias de eficácia.

Em terreno são, preparado pela moralidade, pelos bons costumes, no seio de um povo habituado a sentir, reagir e a querer, as boas instituições se vivificam, medram e produzem os frutos de bênçãos a que são destinadas.


No seio de um povo indiferente, as melhores reformas, as instituições mais salutares definham e apodrecem rapidamente."

domingo, 4 de junho de 2017

Dei Aula na USP

Nicanor de Freitas Filho

            Logo que me formei em Economia, em 1969, troquei de emprego, pois “Santo de Casa não faz milagre”. Como já estava há cinco anos na Encyclopaedia Britannica, tive que sair, para melhorar o salário. Fui trabalhar com um colega de formatura, cuja família era proprietária de uma empresa de Financiamentos, onde também trabalhei por bom tempo, mais de sete anos. O Grupo Financeiro foi crescendo, foi incorporando outras empresas e, pela confiança e lealdade, tornei-me Assessor da Diretoria e tinha toda a confiança dos proprietários.  Numa determinada época, em que foi fundado, inclusive um jornal, comprado um banco, foram contratados muitos assessores para área de Direito, de Segurança, de Finanças Públicas, Contabilidade, Vendas e foram várias pessoas muito gabaritadas nas suas áreas, como professores, funcionários licenciados do Ministério Público, do Banco Central, da área de Segurança Pública etc..
            Dentre esses assessores especiais, um que já faleceu, que tinha vindo da Procuradoria Estadual, Dr. Ítalo, que também era professor na USP, lecionava Finanças no curso de Educação Física, lá na Cidade Universitária. Ele era muito inteligente e na área de Segurança ele ajudava muito, inclusive tendo levado várias pessoas para nos ajudar na segurança. Quando precisava de mexer com números, sempre me procurava e dizia que eu era muito claro para explicar o que calculava e ficava fácil para ele decidir o que redigir sobre aquilo. Eu me dava muito bem com ele e também o consultava constantemente sobre qualquer problema legal.
            Um determinado dia, ele precisou viajar para Brasília e foi até minha sala e foi direto: “-Amanhã cedo teria que dar aula na USP para o curso de Educação Física. Normalmente meu sobrinho me substitui nesses casos, mas ele se casou e está viajando. Preciso que você me faça o favor de dar uma aula amanhã no meu lugar, porque se faltar, o pessoal vai todo embora e perdem as outras aulas e o Diretor me pega no pé. Eu já informei que será uma aula especial, voltada para Economia. Não se preocupe, porque são jovens que querem aprender e são curiosos. Assim, você fale alguma coisa interessante, fale sobre Economia que automaticamente vão lhe encher de perguntas que você certamente vai tirar todas de letra.”
            Meu Deus! Que vou fazer? Falar sobre o que? Na USP? Pelo amor de Deus, não tem outra pessoa para lhe substituir?  Fiquei apavorado, pois nunca tinha pensado em dar aula, principalmente num curso da USP. Mesmo sendo para alunos do curso de Educação Física, vai ser complicado demais! O Dr. Ítalo me tranquilizou e me disse que o bedel faria minha apresentação e diria que seria a oportunidade para eles conhecerem um pouco sobre Economia. Sugeri falar sobre Inflação e Desenvolvimento, que eram assuntos do momento e que, provavelmente, eles iriam gostar. O Dr. Ítalo achou ótima minha ideia e disse que era para eu me preparar, pois era um assunto muito tratado na USP e viriam muitas perguntas.
            Eu escolhi este assunto, porque tinha feito um trabalho, juntamente com o colega Roberto, no último ano da Faculdade – 1969 – que tratava de Inflação e Desenvolvimento e tínhamos tirado nota 9,0. O trabalho ficou muito bom, e, pelo menos eu teria um roteiro a seguir, pois tinha o trabalho e poderia estudar um pouquinho antes da aula. Fiquei até meia noite estudando e vendo que não ia ser nada fácil.
            É bom lembrar que em 1975, estávamos na era chamada de Ditadura e em 1974 tinha havido uma crise internacional do petróleo. Houve um verdadeiro reboliço econômico, além de ter trocado de Presidente da República em 1974, quando entrou o Presidente Geisel. Ele havia substituído o Delfim Neto pelo Mário Henrique Simonsen e mantido no Ministério do Planejamento o João Paulo dos Reis Veloso. Era tudo muito complicado, principalmente por causa da crise internacional.
            A aula era às 8:00 horas. Fui cedinho para o Campus da USP, procurei lá o prédio da Educação Física, como o Dr. Ítalo tinha me explicado. O Bedel já estava me esperando e disse que ainda era um pouco cedo e me levou para tomar um café. Viu que eu estava um pouco nervoso e me acalmou, dizendo que era para ficar tranquilo que era uma turma também muito tranquila, que não era igual aquele pessoal de Ciências Sociais e História, que era tudo meio de esquerda e mais agressivos. Esses aqui são todos “boa gente” e gostam mesmo é de ter coisas diferentes na classe.
            Tomei o café e fomos para a sala de aula. Eu já estava bem mais tranquilo. Ele me apresentou como Dr. Freitas, Economista e Diretor de uma Grande Financeira. Disse que eu falaria sobre a Economia Brasileira nos últimos dez anos, que eram praticamente os dez primeiros anos da Revolução Militar que derrubou o Jango. Olhei e estavam todos muito à vontade, ninguém com caderno e lápis na mão e todos de muito bom humor. Comecei então me apresentando, disse que trabalhava com o Dr. Ítalo, e que estava ali para falar sobre o que eu trabalhava, que era a área econômica. Comecei fazendo um pequeno histórico sobre a inflação que tinha sido controlada, principalmente pelas medidas tomadas pelo Ministro Roberto Campos e por Delfim Neto. Mas que devido a crise petrolífera internacional os preços subiram muito e o Brasil, que naquela época ainda era totalmente dependente do petróleo importado, tivera a inflação passando de cerca de 16% a.a. para mais de 34% a.a.  e que não seria nada fácil continuar controlando os preços. Comecei a falar do II PND, que era considerado um excelente plano que foi o que manteve o Reis Veloso no Planejamento, um os alunos levantou a mão e perguntou: “o senhor poderia nos falar como nós podemos aplicar o dinheiro sem perder, porque hoje qualquer coisa que a gente aplica perde!”
            Caramba, pensei que estava abafando! Aí um segundo já fez outra pergunta, e outra e outra... Todas voltadas a investimento. Bem, naquela época, uma boa aplicação era em Letras de Câmbio e era exatamente o que a Financeira fazia. Então passei a explicar como aplicar em Letras de Câmbio. Quando um deles perguntou como e porque se emitia as Letras de Câmbio. Expliquei que a maioria era decorrente do Crédito Direto ao Consumidor, ou seja, de quem comprava carros, eletrodomésticos e outros bens financiados.
            Daí em diante passamos a discutir taxas, forma de comprar e vender, resgatar e reaplicar em Letras de Câmbio, ou seja, nada de inflação e desenvolvimento, mas muito mais fácil, pois era a minha área de trabalho. O Dr. Ítalo tinha razão, eles fizeram um montão de perguntas que “tirei de letra” e passamos a “negociar” e nada de aula, mas sim negócios. E, terminado o tempo de aula, fomos novamente para o café e continuamos “negociando”. Tanto que um deles, só me lembro do primeiro nome, Epaminondas, se tornou cliente da Financeira e abriu conta no Banco do Grupo.
            Momento marcante, dar uma aula na USP! Nunca foi tão fácil!