quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Causo 24 No Pacaembu lotado


Nicanor de Freitas Filho

            Vim para São Paulo em 1964, 15 dias antes da “revolução” de 31 de março, quando os militares destituíram o Jango, da Presidência da República. Tinha me formado como Técnico Agrícola e vim para trabalhar na Cooperativa Agrícola de Cotia, que então, era a maior do Brasil. Morei numa pensão na Rua Butantã, bem pertinho dos escritórios da CAC. Mas o que eu ganhava não dava para pagar a pensão e o cursinho. Todo mês tinha que ir à casa do meu primo e lhe pedir cinco contos emprestados. Até que no sexto ou sétimo mês, ele percebeu que não ia mesmo receber o que tinha emprestado, então para “diminuir o prejuízo” (é injustiça dizer assim, mas é o jeito engraçado de descrever o fato), ele me perguntou se eu não queria ir morar na casa dele, porque eles estavam sem empregada e a edícula, do sobrado que ele morava, era mais confortável que a pensão e não teria que pagar nada. Não pensei nem um segundo e me mudei imediatamente para lá. Nem me preocupei com o trabalho que daria para e esposa dele – que só era minha prima por “afinidade” – e, com a maior cara-de-pau fiquei lá quase dois anos. Aliás, dois anos muito bons da minha vida! Além de “ganhar” pai e mãe ganhei mais dois irmãos e muitos amigos.
            Um desses amigos foi o tio da minha “prima-mãe”, que era conhecido, como o Tio Sinhô. Ele tinha um filho e um sobrinho que vinham com freqüência em São Paulo, para fazer compras, já que eles tinham uma confecção e uma distribuição de cosméticos em Uberaba e geralmente dormiam na casa do meu primo.
            Numa dessas vezes, acredito que em 1965, trouxeram o Tio Sinhô para passear. Estando aqui em São Paulo, precisava fazer algo diferente, pois acredito que era uma das primeiras vezes, senão a primeira vez, que vinha a São Paulo. Como todos trabalhavam durante o dia, a diversão teria que ser à noite. Nada melhor do que ir conhecer o Pacaembu: Corinthians X Portuguesa. Naquela época era um clássico paulista e a Portuguesa sempre aprontava para cima o Corinthians. Eu, na verdade ainda era torcedor firme do Flamengo, mas futebol é futebol, ainda mais que o Corinthians tinha coisas boas e ruins naquele ano. Coisas boas eram que o Corinthians tinha sido escolhido para representar a Seleção Brasileira num jogo, se não me engano, contra Inglaterra, além de estar começando a aparecer um tal de Rivelino, que devia ter uns 18 ou 19 anos. Ruim é que tinha levado, no final do ano de 1964, uma surra do Santos de 7 x 4. Era a “era Pelé”!
            Fomos nós para o Pacaembu ver Marcial, Dino Sani, Nei, Rivelino, Jair Marinho, Flávio, Gilson Porto, que eu estou lembrado. Era um timão, como sempre foi! O técnico era o Brandão. Na Portuguesa só me lembro do goleiro, Orlando. Era um “negão” de mais de 1,90 m. O jogo terminou 2 a 2, isto eu me lembro bem.
            Sentamos nas numeradas e o Tio Sinhô ficou entre mim e meu primo. De cara, ele me cutucou e disse: “ – Olha lá nas Gerais. Não fica um décimo de segundo sem acender um fósforo, preste atenção!” E era verdade mesmo. Naquela época todo mundo fumava e a cada milésimo de segundo, fazia-se um foguinho... Ele chamou a atenção várias vezes para o fato. O jogo estava muito bom! Eu pensei: “Será que esse cara veio ao estádio para ficar olhando isso”. Mas fiquei na minha, vendo o jogo, que foi muito bom! Tanto que depois desse dia resolvi ser torcedor do Corinthians também. Era uma torcida muito bonita que dava muita força ao time, ainda que fizesse mais de 11 anos que não ganhava nada. O último título tinha sido o de 1954, do Quarto Centenário. E naquela época o importante era o Campeonato Estadual.
            Já quase no final do jogo, ele perguntou ao meu primo:
“ – Quantas pessoas tem aqui no Pacaembu hoje?”
“ – Deve ter umas 55 a 60 mil pessoas. Tem quase um Uberaba aqui no Pacaembu.”(Naquele tempo, nas Gerais, por exemplo, ficava todo mundo em pé, e vinham até ao alambrado. E nesse espaço, que rodeava o campo todo, aquele montão de gente em pé, entre as arquibancadas e o alambrado. Cabia gente pra valer! Uberaba deveria ter cerca de 70 ou 80 mil habitantes).
“ – Uma coisa, Zé,  como esse pessoal todo volta para casa?”
“ – A maioria volta de ônibus, mas tem gente que volta a pé mesmo. Tem muita gente que vem de carro.”
“ – Então, 60 mil! Será que todo mundo consegue voltar para casa certa? Ninguém erra?”
“ – Como assim?”
“ – Uai! Tanta gente assim, pode acontecer do motorista do ônibus deixar o cara na casa errada, não pode? Pois é gente demais! Será que todo mundo acerta o endereço certinho de volta? É bem possível que o cara chegue na casa deite, durma e no dia seguinte viu que dormiu na casa errada, com a mulher errada, não pode?”
“ – Quá...quá... quá... quá... quá... quá...”

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Nicanor de Freitas Filho