quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Causo 61 Minha Formação Profissional – Coleguismo



Nicanor de Freitas Filho
Aconteceu um fato, na Escola Agrotécnica de Muzambinho, em 1956, que nunca mais esqueci e que muito me valeu, para minha formação ética! Foi uma lição prática e ao vivo de ética e coleguismo. Tínhamos um colega inteligentíssimo e extremamente esforçado, chamado Ettore. Ele tinha um ligeiro problema de criação, pois, segundo viemos a saber, ele tinha 6 irmãs. Somente ele de homem, e o pior, era o penúltimo. Então ele foi criado junto com as irmãs, que o tratavam como tal. Ele não era homossexual, apenas ligeiros trejeitos efeminados. Tanto que no segundo ano em diante ele, que era inteligente, percebeu e se transformou num excelente colega. Talvez este causo que vou relatar, tenha ajudado nisso.
            Nossa professora de Matemática era a Dona Iolanda. Excelente pessoa, íntegra, na verdade uma artista, que estava ali dando aula de Matemática, pois não podia dar aula de Música, porque já tinha o Maestro Benedito, muito antigo na Escola. Ela era uma excelente docente!
Tinha na nossa classe um grupinho que assentava nas últimas filas, e era formado, principalmente por cariocas, sendo o “líder” o Célio, que por sinal era um excelente jogador de futebol, que jogava no São Cristóvão, no Rio. Numa das primeiras provas que a Dona Iolanda nos passou, e, naquele tempo as provas eram mensais, o Célio, que era bom no futebol e nem tanto em Matemática, puxou um caderno e estava “colando” uma das questões. Quando o Ettore viu o Célio colando, não titubeou e disse à Dona Iolanda:
            “ – Dona Iolanda, o Célio está colando!” Ela olhou para o Célio, e disse:
            “ – Célio, por favor, guarde o caderno”. Em seguida olhou para o Ettore e disse:
            “ – Ettore, por favor, traga-me sua prova aqui na minha mesa. Vou lhe dar zero, por ‘falta de coleguismo’. Isto que você fez – isto é, acusar um colega – é uma das piores coisas que se pode fazer, principalmente num internato. Nem bandido ‘entrega’ os colegas! Pode sair da sala e ir pensar direitinho no que você fez!”
            A classe toda ficou calada e abismada com a atitude de Dona Iolanda, que não tomou nenhuma medida contra o Célio, que terminou a prova normalmente.
            Explicando o que, de fato, houve: naquele tempo, tinha-se um “Quadro-de-Honra” em todas as escolas, onde eram indicados os primeiros alunos de cada matéria e de cada classe. O Ettore aparecia como primeiro aluno em várias matérias e na média das matérias aparecia em primeiro lugar da Escola. Ele tinha medo de perder esse lugar e por isso acusou o Célio, que estava colando.
            Nota: em 2001 – 45 anos depois do fato acima – quando fui num encontro de ex-alunos de Muzambinho, visitei a Dona Iolanda, na casa dela, onde ela nos serviu uma delícia de doce-de-leite com queijo, e eu agradeci a ela, pelo fato ocorrido em 1956 com o Ettore e disse que muito me valeu, como lição de vida. No que ela respondeu dizendo que não se lembrava e que deve ter sido muito dura, que se fosse hoje, ela nem pensaria em tomar tal atitude. Ainda complementou: “- Coitadinho do Ettore, que era um rapaz educadíssimo, deve ter se sentido muita raiva de mim!”

2 comentários:

  1. FREITAS
    Com certeza não foi ético "dedurar" o colega; mas também não seria ético omitir-se, pois a omissão torna o omisso cúmplice. Creio que o correto seria o Ettore alertar, aconselhar, o Célio discretamente, e, se este seguisse colando em outras provas, aí sim, alertar a Professora ou Diretora, também discretamene, não para castigar o Célio, mas para que a direção o orientasse sobre o risco em futuras provas. Mas é ótimo que esses "causos" tragam tema como esse para discussão.
    Abraço, - José Carlos - 14/09/12

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  2. Repasso aqui comentário recebido por e-mail:

    Meu comentário vai via e-mail pois não consigo enfrentar as letrinhas...

    Comentário Blog 61
    Primeiramente vou reafirmar o que já disse anteriormente: é incrível sua capacidade de manter armazenado na memória tanta coisa, com tantos detalhes. Na verdade, é muito difícil julgar a atitude do Ettore. Eu, particularmente não teria coragem de fazer o que ele fez e, por outro lado nunca tive, também, a coragem de "colar" numa prova (e quanta necessidade tive de fazer tal coisa). Cansei de ver o José Jamal e o Valter Natal colando descaradamente mas jamais pensei denunciar. Guarda a alegria de poder dizer que fui um bom colega. Abraços do ZP

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Nicanor de Freitas Filho