Nicanor de Freitas Filho
Aconteceu
um fato, na Escola Agrotécnica de Muzambinho, em 1956, que nunca mais esqueci e
que muito me valeu, para minha formação ética! Foi uma lição prática e ao vivo
de ética e coleguismo. Tínhamos um colega inteligentíssimo e extremamente
esforçado, chamado Ettore. Ele tinha um ligeiro problema de criação, pois,
segundo viemos a saber, ele tinha 6 irmãs. Somente ele de homem, e o pior, era
o penúltimo. Então ele foi criado junto com as irmãs, que o tratavam como tal.
Ele não era homossexual, apenas ligeiros trejeitos efeminados. Tanto que no
segundo ano em diante ele, que era inteligente, percebeu e se transformou num
excelente colega. Talvez este causo que vou relatar, tenha ajudado nisso.
Nossa professora de Matemática era a Dona Iolanda.
Excelente pessoa, íntegra, na verdade uma artista, que estava ali dando aula de
Matemática, pois não podia dar aula de Música, porque já tinha o Maestro
Benedito, muito antigo na Escola. Ela era uma excelente docente!
Tinha
na nossa classe um grupinho que assentava nas últimas filas, e era formado,
principalmente por cariocas, sendo o “líder” o Célio, que por sinal era um
excelente jogador de futebol, que jogava no São Cristóvão, no Rio. Numa das
primeiras provas que a Dona Iolanda nos passou, e, naquele tempo as provas eram
mensais, o Célio, que era bom no futebol e nem tanto em Matemática, puxou um
caderno e estava “colando” uma das questões. Quando o Ettore viu o Célio
colando, não titubeou e disse à Dona Iolanda:
“ – Dona Iolanda, o Célio está colando!” Ela olhou para o Célio, e disse:
“ – Célio, por favor, guarde o caderno”. Em seguida olhou para o Ettore e disse:
“ – Ettore, por favor, traga-me sua prova aqui na
minha mesa. Vou lhe dar zero, por ‘falta de coleguismo’. Isto que você fez –
isto é, acusar um colega – é uma das piores coisas que se pode fazer,
principalmente num internato. Nem bandido ‘entrega’ os colegas! Pode sair da
sala e ir pensar direitinho no que você fez!”
A classe toda ficou calada e abismada com a atitude de
Dona Iolanda, que não tomou nenhuma medida contra o Célio, que terminou a prova
normalmente.
Explicando o que, de fato, houve: naquele tempo, tinha-se
um “Quadro-de-Honra” em todas as escolas, onde eram indicados os primeiros
alunos de cada matéria e de cada classe. O Ettore aparecia como primeiro aluno
em várias matérias e na média das matérias aparecia em primeiro lugar da
Escola. Ele tinha medo de perder esse lugar e por isso acusou o Célio, que
estava colando.
Nota: em 2001 – 45 anos depois do fato acima – quando fui
num encontro de ex-alunos de Muzambinho, visitei a Dona Iolanda, na casa dela,
onde ela nos serviu uma delícia de doce-de-leite com queijo, e eu agradeci a
ela, pelo fato ocorrido em 1956 com o Ettore e disse que muito me valeu, como
lição de vida. No que ela respondeu dizendo que não se lembrava e que deve ter
sido muito dura, que se fosse hoje, ela nem pensaria em tomar tal atitude. Ainda
complementou: “- Coitadinho do Ettore, que era um rapaz educadíssimo,
deve ter se sentido muita raiva de mim!”
FREITAS
ResponderExcluirCom certeza não foi ético "dedurar" o colega; mas também não seria ético omitir-se, pois a omissão torna o omisso cúmplice. Creio que o correto seria o Ettore alertar, aconselhar, o Célio discretamente, e, se este seguisse colando em outras provas, aí sim, alertar a Professora ou Diretora, também discretamene, não para castigar o Célio, mas para que a direção o orientasse sobre o risco em futuras provas. Mas é ótimo que esses "causos" tragam tema como esse para discussão.
Abraço, - José Carlos - 14/09/12
Repasso aqui comentário recebido por e-mail:
ResponderExcluirMeu comentário vai via e-mail pois não consigo enfrentar as letrinhas...
Comentário Blog 61
Primeiramente vou reafirmar o que já disse anteriormente: é incrível sua capacidade de manter armazenado na memória tanta coisa, com tantos detalhes. Na verdade, é muito difícil julgar a atitude do Ettore. Eu, particularmente não teria coragem de fazer o que ele fez e, por outro lado nunca tive, também, a coragem de "colar" numa prova (e quanta necessidade tive de fazer tal coisa). Cansei de ver o José Jamal e o Valter Natal colando descaradamente mas jamais pensei denunciar. Guarda a alegria de poder dizer que fui um bom colega. Abraços do ZP