quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Crônica 2 EM BUSCA DE LIVROS NÃO LIDOS



Nicanor de Freitas Filho
            Como vocês sabem, trabalhei no ramo Gráfico-Editorial de 1977 a 2007, com exceção de 2 anos que morei em Cuiabá e dois gerenciando uma fábrica de papel higiênico.
            Conheci e trabalhei com muita gente nesse período, cerca de 2/3 da minha vida profissional, já que o INSS reconhece que trabalhei 36 e 8 meses e ainda trabalhei mais 10 anos como autônomo, depois que me aposentei.
            Dentre as centenas de pessoas com quem fiz grandes amizades, está o meu amigo Transmontano, que me chama de Sócio, porque, por um bom tempo, conseguimos a façanha de gerenciar o mesmo departamento de exportação, sem nenhum de nós dois sermos, hierarquicamente superior ao outro. Isto mesmo! Um departamento com dois gerentes! Viajamos e participamos de muitas feiras e eventos juntos, mesmo depois que eu deixei de trabalhar na mesma empresa. Depois que sofri o infarto, em 2007, larguei tudo mesmo. Nem tive oportunidade de participar mais do mercado Gráfico-Editorial. Esta semana ele me enviou uma crônica que me levou a refletir muito e assim, resolvi publicá-la, com a devida autorização dele. Embora eu não tenha a capacidade de escrever que ele tem, eu poderia ler o que ele escreveu, como se fosse um discurso e terminar dizendo, como os antigos e bons oradores: “- Tenho dito”. 


                                     EM  BUSCA  DE  LIVROS  NÃO  LIDOS

                                                                    Papel, tinta, muita  imaginação.
                                        Hai Kay letrado:              O universo do conhecimento ilimitado.
                                                                                 Livros que passam de mão em mão.  (JCN)

        Depois de sorumbáticos meses de estranha ausência, o meu amigo Trasmontano parece ter despertado de um pesadelo de total amorfia e desencanto da vida. Na última sexta-feira, 17/08/12, ele e seu novo amigo, José Nagado, foram à Bienal do Livro conferir as últimas novidades. Queriam comprovar in loco se de fato ainda existem livros de verdade – como em passado ainda recente – produzidos com papel, cartão, tinta, cola, costura, cores, páginas que se podem tatear, marcar, abrir e fechar. Enfim, livros de ler, de encantar, de dar ou de emprestar, de imaginar, de viajar, de aprender, de sonhar. Foi
uma sábia decisão, pois, sim, ainda encontraram esses espécimes que se tornarão cada vez mais raros, e próximos candidatos à extinção. E ali ainda estavam eles: empilhados, enfileirados, protegidos, iluminados, expostos e anunciados como objetos raros em pose de promoção que parecem gritar: “Aproveitem, comprem, levem agora, são de primeira leitura; nunca foram lidos; não requerem prática, nem habilidade; só alguma escolaridade; qualquer criança se encanta; qualquer adulto se diverte; qualquer ser humano  enobrece”.

        É curioso como os livros podem servir de ponto de encontro de seres cujas origens geográficas podem vir de extremos opostos, como Oriente e Ocidente. Os dois amigos, um trasmontano brasileiro, e o outro, um brasileiro de origem japonesa, procedente de Okinawa.  Não  se conhecem  de longa data, mas já se tratam como se assim o fossem. Foram atraídos pela mesma coincidente armadilha: a da literatura.  O Nagado, engenheiro de formação e carreira, depois de aposentado, travestiu a sua racionalidade matemática em profunda análise e crítica  das teorias do Burlesco, e das origens do humor, sem ter medo de escarafunchar nas obras de filósofos como Barthes, Bergson, Wittgenstein, Lichtemberg, Nietzsche, e outros ícones da psicologia e psiquiatria, como Freud e Jung. Os ensaios de sua autoria, postados em seu blog, têm a profundidade e a seriedade do intelectual seguro do que escreve. Mas a sua racionalidade matemática não consegue esconder a sua sensibilidade para a crônica, e a sua maestria em Hai Kays, poemetos de origem japonesa, - similares ao que está abaixo do título desta crônica -  cuja arte tenta ensinar ao meu amigo,  com paciência oriental. A sua sensibilidade se estende à pintura e à música. Sobre o Trasmontano, já se lhe conhecem as suas principais facetas, através das muitas crônicas em que tem sido protagonista.

        O passeio pelas alamedas de mansões geminadas, cujos moradores e senhores eram os livros, trouxe-lhes uma excitação quase infantil, e a impaciência de adolescentes  a ambos, na vontade de, num futuro próximo, terem a sua própria literatura também exposta em livros de carne e osso (oops, de papel e tinta). Não, eles não esperam ganhar um  Nobel no futuro com os textos que escreveram - e ainda escreverão -  nem tampouco alcançar tops de milhões de exemplares vendidos. Eles apenas sonham em fazer parte dos bilhões de partículas literárias espalhadas pelo universo do conhecimento; apor um certificado que ateste o seu DNA nalguma ideia ou registro de suas próprias emoções,
criações, ilusões, sonhos, inspirações, experiências de vida. Afinal, eles já tiveram filhos, já plantaram uma árvore e, embora bem poucos saibam, já escreveram, cada um, seu livro. Só falta editá-los, dar-lhes asas, e deixar que voem ao encontro de todos aqueles que não desprezam a expressão dos átomos de um novo pensamento, um novo olhar sobre a vida, o universo, a natureza, e a humanidade. Que ambos realizem seus sonhos.

        O entusiasmo e esperanças, compartidos com seu amigo Nagado, disfarçaram o real estado de espírito do meu amigo Trasmontano. Na verdade, o que ele sentia, naquele momento, era uma profunda nostalgia por rever, mentalmente, naquele universo literário que os envolvia, um flash-back de seus últimos 40 anos, 20 dos quais vividos em outros eventos tão importantes, ou mais que aquele, espalhados pelo mundo. Nesse momento, era um simples visitante, e não mais um dos vários protagonistas das muitas Feiras Internacionais do Livro de que participara desde 1980, da sua primeira no Salão da Bienal no Ibirapuera, à última de 2000,  em Guadalajara. Nesse período de 20 anos, além das Bienais alternadas de São Paulo e Rio, participava de outras 9 a 12 anuais Feiras Internacionais, num total em torno de 200, sediadas por Buenos Aires, Bogotá, Santiago, Guadalajara, Lisboa, Bologna e Frankfurt; alternadas como Madrid e Barcelona, ou como NY, Miami, Washington, New Orleans, San Francisco, Los Angeles, San Diego, Anaheim, e Las Vegas; outras eventuais como Londres, Tokyo, Lima, Quito, Caracas, San Juan P. Rico, Asunción e Montevidéu. Um destaque especial para a de Frankfurt, a Meca de todos os editores, escritores e agentes literários do mundo. Qualquer ser humano que viva nessa tríade, tem que estar lá em pelo menos uma edição. O meu amigo participou dela em 16 anos consecutivos. 

        Sem nunca haver feito literatura, desde quando foi fundador e redator do Roosevelt News, já mencionado em textos anteriores, o Trasmontano crê, sem falta modéstia, ter dado o seu quinhão de contribuição à literatura brasileira, ao difundir, nessas Feiras – com o respaldo da Melhoramentos -  o trabalho de autores nacionais como Ziraldo, Ruth Rocha, Maurício de Sousa, Ciça Fitipaldi, Rogério Borges, Rogério de Andrade, José Mauro de Vasconcelos - e outros a quem a sua já deficiente memória pede desculpas pelo esquecimento – ao fazer com que todos se projetassem internacionalmente, e chegassem a mercados nunca imaginados, no contexto de suas épocas, abrangendo  quase todos os países da  América Latina, USA, Canadá, Alemanha, Inglaterra, Itália, Espanha, Portugal, Dinamarca, França, Índia e Japão, além de outros de menor expressão mercadológica. Mas, apesar disso, sempre lhe ficou uma desconfortável sensação de que o seu trabalho foi mais reconhecido no exterior do que no país.

        Os dois amigos terminaram o tour pela Feira, como simples e anônimos visitantes, já prestes a voltar para suas casas. Enquanto o Nagado o espera já fora do recinto, o Trasmontano não resiste a um último olhar sobre as coloridas casas de livros. Lembrou-se de que, em todo o percurso, havia encontrado apenas dois de seus mais antigos companheiros, ambos originários da sua querida Melhoramentos. Sentiu-se como num teatro a que fosse assistir à mesma peça repetidas vezes, na qual os atores se renovavam gradativamente, ano após ano, mas ele conhecia a todos, e todos o conheciam. Passados alguns anos ausente, ele volta ao mesmo teatro, mesma peça mesmo cenário, mas já não reconhece mais ninguém no palco, assim como ninguém o reconhece. O tempo havia sido inexorável para todos. A idade foi substituindo os antigos protagonistas, ou talvez fosse apenas um momento de descanso à espera da próxima sessão. Mas a idade também o havia transformado, pois o seu corpo cansado pela caminhada; a sua mente aturdida de saudade; os seus olhos com disfarçadas lágrimas; e a multidão de  escolares a empurrá-lo; tudo conspirava para deixar sua alma em prantos. Fora, seu amigo já o esperava. Preferiu não falar mais de livros; engatou uma conversa, totalmente fora de contexto,  sobre Violeta Parra e Mercedes Sosa. Assim como o Céu, os livros também poderão esperar pelo próximo passo de ambos.

JCN – AGO – 2012

5 comentários:

  1. Parabéns, Zé Carlos Neves, nos proporcionando uma leitura leve mas com substância, agradável e na medida certa, trazendo uma nostalgia gostosa de quem vivenciou os bons e insubstituíveis tempos da era editorial impressa...E obrigada, Freitas, por nos proporcionar mais um rico texto através de seu blog, como sempre oferecendo eclética gama de leitura de bom gosto e alto nível.

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  2. Eliane, muito obrigado pela atenção. Realmente o texto do Zé Carlos é ótimo, e tem tudo a ver conosco, por isso que o publiquei. Espero publicar outros em breve.

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  3. Freitas
    Obrigado pela generosidade da postagem e do prefácio. Só você e mais uns bem poucos podem entender o sentimento transposto para o texto. Você como eu fizemos parte dos pioneiros da "globalização", numa época em que o termo nem era ainda utilizado com o sentido de hoje. A Eli interpretou perfeitamente o que tentei transmitir no texto.
    Um grande abraço a ambos e a todos os ex-companheiros que o lerem.
    José Carlos - 09/09/12

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  4. Zé Carlos, estou pensando seriamente colocar outro texto seu no meu blog. Depois lhe passo detalhes. Muito obrigado por tudo! Freitas

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    1. Freitas
      Podes escolher e postar o texto que e quando quiseres.
      Abraço - José Carlos - 09/09/12

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Obrigado pelo seu comentário! É sempre muito bem vindo.
Nicanor de Freitas Filho