domingo, 2 de setembro de 2012

Causo 59 Minha formação profissional - III



Nicanor de Freitas Filho
Depois que terminei o Grupo Escolar, ou seja, o curso primário, daquela época eu teria que fazer o Curso de Admissão, que era de 1 ano e preparava para entrada no Ginásio. Eu não fiz o Curso de Admissão. Então tinha que trabalhar. Desta vez fui para a Oficina do Padrinho. Ele tinha uma oficina, em sociedade com o João, que namorava nossa vizinha Arlete. A oficina era mecânica elétrica. Na verdade eles eram eletricistas, mas o principal deles era o enrolamento de motores, geradores, induzidos, transformadores elétricos, inclusive os de rua, aqueles grandões que a gente vê nos postes.
Quando fui trabalhar tinham os dois patrões, o Padrinho e o João e três empregados: o Tiôdo, o Vadinho e o Ladico. O mais antigo era o Tiôdo,  especializado em enrolar induzido para geradores de caminhão. O Vadinho, era um pouco mais novo, mas estava no mesmo nível profissional e o Ladico estava aprendendo. Eu aprendi, primeiro a consertar ferro elétrico – trocar a resistência – depois enceradeira, e depois chuveiro elétrico, também trocar resistência. Limpava a oficina e depois tentava aprender a enrolar induzido. O Padrinho, quando saía para fazer serviços fora, me levava para ajudar. Dois serviços feitos fora que não esqueço foram: o primeiro a instalação do aparelho de Raios-X, no consultório do Dr. Armando. Era muito importante, ninguém em Araxá sabia como instalar, era muito difícil, porque tinha que ter cabos muito especiais, que o pai do Padrinho ajudou na interpretações dos manuais, e, este Raios-X era de extrema importância, porque o Dr. Armando cuidava dos jogadores do Najá Futebol Clube.  O Dr. Armando tinha três filhas muito bonitas. Ficamos uns três dias na casa do Dr. Armando. E o segundo serviço feito fora que não esqueço, foi que o ajudei a trocar toda a fiação da casa do Sr. Artur, que ficava lá perto do Estádio, porque no primeiro dia de trabalho lá, a escada não chegava até a altura do alçapão, faltava assim uns 60 cm. Então tinha que segurar nas beiradas do alçapão para acabar de subir, apoiando os cotovelos. Eu fiquei com medo e titubeei, o Padrinho achou que eu cair e me segurou do jeito que deu, pelos cabelos, até que reequilibrei e ele me ajudou a acabar de subir. Quando foi mais tarde, aí por volta das 3 horas da tarde, a esposa do Sr. Artur, que era meio prima do Padrinho (o pai do Sr. Artur, o Sr. Ernesto, era irmão do Pai do Padrinho), nos trouxe uma “vitamina” de banana com mamão. Foi a primeira vez na vida que tomei aquela bebida cremosa, mas tão gostosa. Que delícia! Eram pouquíssimas as pessoas que tinham liquidificador...
Aprendi muito com o Padrinho. Foi muito importante para mim, entender um punhado de coisas, como por exemplo, eu era afilhado dele, mas eu limpava a oficina, porque eu não sabia enrolar induzidos. Não adiantava ser afilhado, tinha que conhecer o trabalho. Eu ajudava muito o Padrinho. Ele enrolava motores elétricos quase sempre. Eu preparava as bobinas para ele. Era assim, chegava um motor para enrolar – vinha queimado – tinha que desenrolar. Ao desenrolar, contava-se quantas voltas tinham as bobinas e os pontos de ligamento das bobinas entre si. Eu dizia a ele que pegava seu caderno de notas e anotava tudo. Aí ele pegava o calibre – uma ferramenta de medir com precisão – e anotava a bitola do fio da bobina e o nº da forma. Contava quantos frisos a bobina pegava de um lado a outro no núcleo da carcaça do motor.  Então eu limpava o núcleo e era difícil tirar as fibras queimadas de dentro dos frisos, colocava as fibras novas com uma fita amarela que eram colocadas nas pontas – que não me lembro do nome desse material – lixava o coletor do induzido e começava a enrolar as bobinas, contando certinho as voltas. O Padrinho enrolava os motores, depois tinha que envernizar, secar e testar.
            Ele enrolava de tudo. Lembro que o mais difícil eram os transformadores de rua, cujas bobinas são enroladas, por camadas, separadas por fibra e tem que ser bem juntinhas e bem apertadas. Lembro que muitas vezes eu tocava a manivela, onde ficavam as formas das bobinas, e o Padrinho, com um pedaço de couro nas mãos, para não machucar, ia “dirigindo” o fio no lugar certinho.
            Uma vez chegou na Oficina um fazendeiro muito conhecido em Araxá e perguntou para o Padrinho, quanto custaria enrolar o Dínamo da Fazenda dele. Ele perguntou se era aquele que já enrolara há alguns anos atrás. Ele disse que sim, o Tarcísio foi até ao caderno de anotações, viu a bitola do fio, calculou a quantidade, tempo etc. e disse lá um valor. O fazendeiro disse que ele estava louco, pois tinha quem enrolasse pela metade do preço lá em Uberaba. O Padrinho não discutiu, deixou-o ir embora. Note que um gerador de fazenda tem que ser enrolado rápido, porque a fazenda fica sem luz enquanto se enrola o gerador. Passado umas duas semanas ele voltou e perguntou se não dava para baratear um pouco. Ele explicou que não dava, mas perguntou pelo “enrolador” de Uberaba. Ele confessou que o profissional enrolou mas não funcionou direito! Como não funcionou direito? Ele despistou e disse que o “cara” ia enrolar de novo, mas que ele era demorado. Passadas mais uns dias volta o Fazendeiro com o Dínamo e pede, pelo amor de Deus, para ele enrolar, porque estava fazendo muita falta na fazenda.  Ao desmontá-lo, contei as voltas, olhei a forma, limpei tudo e passei as informações. Ele pegou o calibre e disse:
            “ – É claro que não podia dar certo, pois o fio deve ser bitola 16 ele enrolou com bitola 20, em vez de 40 voltas ele estava dando 50 para compensar. Não ia rodar nunca.”
            “ – Mas como você sabe que está errado?”
            “ – Porque para anotar e guardar tudo e saber das coisas certas, inclusive com fazer, custa mais caro mesmo!”
(Nota: os números e bitolas eu inventei, porque não lembro quais eram).
Ele tinha tudo anotado, da primeira vez que enrolou o Dínamo do Fulano.
Outra experiência profissional que aprendi rápido: registrar tudo! Até hoje tenho o hábito de anotar tudo em cadernos e agendas, mesmo depois que me aposentei. E guardo tudo...

3 comentários:

  1. Freitas
    Este é um de seus melhores causos. Deixa vários ensinamentos;
    1 - De que na casa do Sr. Artur, você foi salvo da queda por alguns fios de cabelo. Então trata de cuidar bem dos muito poucos que ainda te restam;
    2 - De que "o barato sai caro" já era uma verdade incontestável naquela época. O fazendeiro que o diga;
    3 - De que os conhecimentos empíricos, que trazemos desde a infância, seguirão enriquecendo sempre o conjunto de experiências de vida, seja qual for a formação ou carreira que abracemos no futuro. E é bom que nossos filhos e netos saibam dessas experiências.
    Abraço - José Carlos - 04/09/12

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    1. Tenho outros causos, que me ajudaram muito na minha formação profissional. Espero lembrar de todos para colocar aqui.
      Obrigado pelos comentários sempre elogiosos!

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  2. Gostei, fiz meu comentário, porém, como não consigo provar que não sou um robot desisti de mandar publicar, com a seguinte nota: COM ESTAS LETRINHAS QUERO BRINCAR Não !!! Abraços do ZPedro

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Obrigado pelo seu comentário! É sempre muito bem vindo.
Nicanor de Freitas Filho