quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Causo 63 A mais remota lembrança...


Nicanor de Freitas Filho
            Rememorando...rememorando... cheguei à mais remota lembrança da minha vida!
Lembro que morava numa casa não muito grande, não muito velha, simples. Na entrada tinha um portãozinho, um muro baixo, e entre o muro e a casa – que ficava mais à direita – um jardim bem cuidado, onde se destacava um pé de dália, daquelas grandes, que quando atingiam o auge, pendiam para o lado.  A entrada era na lateral esquerda, onde também tinha um jardim, entre o muro do vizinho da esquerda – Professora Ernestina – e a casa. Nessa parte do jardim, o que mais chamava a atenção eram os pés de manacá, que entre a primavera e o verão, esparzia um perfume inebriante. Lembro-me que quando ia chegando à noitinha, parece que o olor ficava mais intenso e o cheiro era agradabilíssimo. Sem contar a beleza das flores, que mudavam de cor, indo do branco ao roxo, não sei como. Bem ao fundo do jardim, já passando pela porta de entrada, tinha um muro, que à frente tinha um pé de jasmim, com as flores amarelas, também muito bonitas e cheirosas. Aí no fundo, à direita, tinha um portão, que chamávamos de entrada do fundo.
            Essa entrada dava para um enorme quintal, tendo à esquerda um jardim – lembro-me perfeitamente da roseira branca – e uma pequena horta, que ia até junto ao muro. À direita tinha uma enorme amoreira, e a mangueira. Lembro de umas folhagens que iam até o muro, que separava a casa do “Tio Donato”. Ele não era meu tio não, mas como os sobrinhos iam para lá e brincávamos todos juntos, eles o chamavam de Tio Donato e nós também.
            Em frente à porta da cozinha, tinha um a “casinha de despejo” e ao lado o tanque de lavar roupas. Atrás da casinha de despejos ficava o enorme quintal, que fazia fundos com a casa do senhor Ermírio – homem muito religioso e bom – que tinha a frente para Rua Uberaba. Para se ter ideia do tamanho do quintal, lembro-me que tinha, além da horta, da amoreira, da mangueira, do jardim e da casinha de despejo, duas figueiras, um pessegueiro, um pé de fruta-do-conde, dois abacateiros, uma laranjeira, um pé de araçá, uma goiabeira e uma moita de bananeiras, bem lá no fundo. Além disso, minha Tia criava galinhas, eram poucas, talvez uma dúzia e tinha ainda uma área para jogarmos futebol, correr e brincar de tudo.
            A casa era da minha avó, de fato, Dinha, já que minha avó verdadeira morrera quando minha Mãe tinha 2 anos.  Moravam ainda, Tia Suça e a Lourdes, além da minha família, que nessa época que estou me referindo, eram minha Mãe, meu Pai, o meu irmão mais velho e eu.
            A primeira lembrança que tenho da minha vida foi no dia que nasceu minha irmã Maria Conceição. Chama-se assim, porque nasceu no dia 8 de dezembro, dia de Imaculada Conceição. Aliás, era este o nome da Tia Suça, que também nasceu num dia 8 de dezembro e por isso foi madrinha de batismo dela. Na verdade eu só me lembro de ter gente “diferente” (Dona Brígida, que era a melhor Parteira de Araxá) em casa e um movimento anormal. Meu irmão mais velho e eu querendo saber o que estava acontecendo, quando meu Pai nos chamou para “ajudar” enterrar o gambá, que ele havia matado. Explicando melhor: a Suça tinha lá suas galinhas, que botavam lá seus ovos – acho que quase todo mundo criava galinhas, pois lembro que o tio Donato também tinha, meus outros tios, verdadeiros, tinham – e ela havia dito que achava que tinha um gambá comendo os ovos das galinhas, pois estavam sumindo. Então fomos “ajudar” a enterrar o gambá. Só me lembro disso. Não me lembro de ter visto o gambá morto, nem nada. Quando chegamos atrás da casinha de despejo, estava lá meu Pai com uma enxada nas mãos “finalizando” o serviço. Na verdade era apenas desculpa para nos tirar da sala, ao lado do quarto onde minha Mãe estava em trabalho de parto.
            Lembro-me bem disso, porque, muitos anos depois, conversando em família, eu teria dito que lembrava o dia que minha irmã nasceu. Todos me olharam, com cara de “como? você era muito pequeno”. Eu sou de 15 de fevereiro de 1944 e a ela de 8 de dezembro de 1946, ou seja, eu ainda não tinha 3 anos. E naquele tempo a gente era muito mais boba que a molecada de hoje! Então eu perguntei:
            “– Não foi aquele dia que meu Pai matou o gambá?”
            Todos se entreolharam e a Suça disse:
            “– É, ele lembra mesmo!”
            É muito pequena a lembrança que tenho deste dia, mas é a primeira lembrança que tenho da minha vida. Não sei contar mais nada desse dia.

9 comentários:

  1. Padrinho, fiz uma viagem no tempo, como se tivesse lá. Como gostaria de ter nascido na década de 40 também, tudo tinha mais valor!
    Beijos e obrigada por nos proporcionar essas viagens! Renata Zanini de Freitas

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  2. Renata, muito obrigado pelo comentário! Quando for em Araxá, faça o seu Pai ler este e o outro causo da ida para Muzambinho. Esse exercício de rememoração que fiz, vai dar outros causos. Eu manterei informada. Bjs Nicanor

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  3. Obrigada por essa linda descrição de uma casa que abrigou nossos antepassados, alguns dos quais não tivemos a honra de conhecer. Mas certamente nos sentimos mais próximos deles e de nossas raízes com essa generosa mania do tio de relembrar e contar... Amei. Pri.

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    1. Pri e Eden, Comecei a gostar dessa ideia de tentar me lembrar de quando era pequeno - pois o que fiz ontem não me lembro mesmo! - e vou deixar uns escritos para vocês. Não posso publicar tudo que estou escrevendo. Somente estes pedaços que tem alguma curiosidade. Podem esperar que vem mais.

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  4. Freitas
    Isso não é mais memória; é uma regressão quase uterina. Mas, da maneira como você é organizado, acho que já tinhas um arquivo no cérebro nessa época. É ótimo resgatar essa infância que às vezes nos chega envolvida em brumas, e outras de forma clara e límpida, e é quando o que "somos" mais se aproxima do que "fomos".
    Abraço - José Carlos - 21/09/12

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    1. Zé Carlos, veja a resposta que dei à minha sobrinha acima, porque vale para você também!

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  5. Que memória fantástica, adorei rememorar sua infância pois junto dela revivo a minha ou seja a nossa. Formidável. Continue com seus causos.
    Abraços, Suzana.

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  6. Suzana, Leia acima a resposta que dei à minha sobrinha, vale para você também. Muito obrigado!

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  7. CANOR; FECHO OS olhos e vejo tudinho como vc descreveu, vc se lembra de correr atraz das galinhas, tadinha da LURDES dizia óo tia Suça não quer que vcs corram , porque as galinhas param de botar.e ai é que corria-mos mesmo .que saudades que saudades; de tudo.e de todos.

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Obrigado pelo seu comentário! É sempre muito bem vindo.
Nicanor de Freitas Filho