Nicanor de Freitas Filho
Rememorando...rememorando... cheguei à mais remota
lembrança da minha vida!
Lembro
que morava numa casa não muito grande, não muito velha, simples. Na entrada
tinha um portãozinho, um muro baixo, e entre o muro e a casa – que ficava mais
à direita – um jardim bem cuidado, onde se destacava um pé de dália, daquelas
grandes, que quando atingiam o auge, pendiam para o lado. A entrada era na lateral esquerda, onde
também tinha um jardim, entre o muro do vizinho da esquerda – Professora
Ernestina – e a casa. Nessa parte do jardim, o que mais chamava a atenção eram
os pés de manacá, que entre a primavera e o verão, esparzia um perfume
inebriante. Lembro-me que quando ia chegando à noitinha, parece que o olor
ficava mais intenso e o cheiro era agradabilíssimo. Sem contar a beleza das
flores, que mudavam de cor, indo do branco ao roxo, não sei como. Bem ao fundo
do jardim, já passando pela porta de entrada, tinha um muro, que à frente tinha
um pé de jasmim, com as flores amarelas, também muito bonitas e cheirosas. Aí
no fundo, à direita, tinha um portão, que chamávamos de entrada do fundo.
Essa entrada dava para um enorme quintal, tendo à esquerda
um jardim – lembro-me perfeitamente da roseira branca – e uma pequena horta,
que ia até junto ao muro. À direita tinha uma enorme amoreira, e a mangueira.
Lembro de umas folhagens que iam até o muro, que separava a casa do “Tio
Donato”. Ele não era meu tio não, mas como os sobrinhos iam para lá e
brincávamos todos juntos, eles o chamavam de Tio Donato e nós também.
Em frente à porta da cozinha, tinha um a “casinha de
despejo” e ao lado o tanque de lavar roupas. Atrás da casinha de despejos
ficava o enorme quintal, que fazia fundos com a casa do senhor Ermírio – homem
muito religioso e bom – que tinha a frente para Rua Uberaba. Para se ter ideia
do tamanho do quintal, lembro-me que tinha, além da horta, da amoreira, da
mangueira, do jardim e da casinha de despejo, duas figueiras, um pessegueiro,
um pé de fruta-do-conde, dois abacateiros, uma laranjeira, um pé de araçá, uma
goiabeira e uma moita de bananeiras, bem lá no fundo. Além disso, minha Tia
criava galinhas, eram poucas, talvez uma dúzia e tinha ainda uma área para
jogarmos futebol, correr e brincar de tudo.
A casa era da minha avó, de fato, Dinha, já que minha avó
verdadeira morrera quando minha Mãe tinha 2 anos. Moravam ainda, Tia Suça e a Lourdes, além da minha
família, que nessa época que estou me referindo, eram minha Mãe, meu Pai, o meu
irmão mais velho e eu.
A primeira lembrança que tenho da minha vida foi no dia
que nasceu minha irmã Maria Conceição. Chama-se assim, porque nasceu no dia 8
de dezembro, dia de Imaculada Conceição. Aliás, era este o nome da Tia Suça,
que também nasceu num dia 8 de dezembro e por isso foi madrinha de batismo dela.
Na verdade eu só me lembro de ter gente “diferente” (Dona Brígida, que era a
melhor Parteira de Araxá) em casa e um movimento anormal. Meu irmão mais velho e
eu querendo saber o que estava acontecendo, quando meu Pai nos chamou para
“ajudar” enterrar o gambá, que ele havia matado. Explicando melhor: a Suça
tinha lá suas galinhas, que botavam lá seus ovos – acho que quase todo mundo
criava galinhas, pois lembro que o tio Donato também tinha, meus outros tios,
verdadeiros, tinham – e ela havia dito que achava que tinha um gambá comendo os
ovos das galinhas, pois estavam sumindo. Então fomos “ajudar” a enterrar o
gambá. Só me lembro disso. Não me lembro de ter visto o gambá morto, nem nada.
Quando chegamos atrás da casinha de despejo, estava lá meu Pai com uma enxada
nas mãos “finalizando” o serviço. Na verdade era apenas desculpa para nos tirar
da sala, ao lado do quarto onde minha Mãe estava em trabalho de parto.
Lembro-me bem disso, porque, muitos anos depois,
conversando em família, eu teria dito que lembrava o dia que minha irmã nasceu.
Todos me olharam, com cara de “como? você era muito pequeno”. Eu sou de 15 de
fevereiro de 1944 e a ela de 8 de dezembro de 1946, ou seja, eu ainda não tinha
3 anos. E naquele tempo a gente era muito mais boba que a molecada de hoje!
Então eu perguntei:
“– Não foi aquele dia que meu Pai matou o gambá?”
Todos se entreolharam e a Suça disse:
“– É, ele lembra mesmo!”
É muito pequena a
lembrança que tenho deste dia, mas é a primeira lembrança que tenho da minha
vida. Não sei contar mais nada desse dia.
Padrinho, fiz uma viagem no tempo, como se tivesse lá. Como gostaria de ter nascido na década de 40 também, tudo tinha mais valor!
ResponderExcluirBeijos e obrigada por nos proporcionar essas viagens! Renata Zanini de Freitas
Renata, muito obrigado pelo comentário! Quando for em Araxá, faça o seu Pai ler este e o outro causo da ida para Muzambinho. Esse exercício de rememoração que fiz, vai dar outros causos. Eu manterei informada. Bjs Nicanor
ResponderExcluirObrigada por essa linda descrição de uma casa que abrigou nossos antepassados, alguns dos quais não tivemos a honra de conhecer. Mas certamente nos sentimos mais próximos deles e de nossas raízes com essa generosa mania do tio de relembrar e contar... Amei. Pri.
ResponderExcluirPri e Eden, Comecei a gostar dessa ideia de tentar me lembrar de quando era pequeno - pois o que fiz ontem não me lembro mesmo! - e vou deixar uns escritos para vocês. Não posso publicar tudo que estou escrevendo. Somente estes pedaços que tem alguma curiosidade. Podem esperar que vem mais.
ExcluirFreitas
ResponderExcluirIsso não é mais memória; é uma regressão quase uterina. Mas, da maneira como você é organizado, acho que já tinhas um arquivo no cérebro nessa época. É ótimo resgatar essa infância que às vezes nos chega envolvida em brumas, e outras de forma clara e límpida, e é quando o que "somos" mais se aproxima do que "fomos".
Abraço - José Carlos - 21/09/12
Zé Carlos, veja a resposta que dei à minha sobrinha acima, porque vale para você também!
ExcluirQue memória fantástica, adorei rememorar sua infância pois junto dela revivo a minha ou seja a nossa. Formidável. Continue com seus causos.
ResponderExcluirAbraços, Suzana.
Suzana, Leia acima a resposta que dei à minha sobrinha, vale para você também. Muito obrigado!
ResponderExcluirCANOR; FECHO OS olhos e vejo tudinho como vc descreveu, vc se lembra de correr atraz das galinhas, tadinha da LURDES dizia óo tia Suça não quer que vcs corram , porque as galinhas param de botar.e ai é que corria-mos mesmo .que saudades que saudades; de tudo.e de todos.
ResponderExcluir