Nicanor de Freitas Filho
Como vocês
sabem, trabalhei no ramo Gráfico-Editorial de 1977 a 2007, com exceção de 2 anos
que morei em Cuiabá e dois gerenciando uma fábrica de papel higiênico.
Conheci e
trabalhei com muita gente nesse período, cerca de 2/3 da minha vida
profissional, já que o INSS reconhece que trabalhei 36 e 8 meses e ainda
trabalhei mais 10 anos como autônomo, depois que me aposentei.
Dentre as
centenas de pessoas com quem fiz grandes amizades, está o meu amigo
Transmontano, que me chama de Sócio, porque, por um bom tempo, conseguimos a
façanha de gerenciar o mesmo departamento de exportação, sem nenhum de nós dois
sermos, hierarquicamente superior ao outro. Isto mesmo! Um departamento com
dois gerentes! Viajamos e participamos de muitas feiras e eventos juntos, mesmo
depois que eu deixei de trabalhar na mesma empresa. Depois que sofri o infarto,
em 2007, larguei tudo mesmo. Nem tive oportunidade de participar mais do
mercado Gráfico-Editorial. Esta semana ele me enviou uma crônica que me levou a
refletir muito e assim, resolvi publicá-la, com a devida autorização dele.
Embora eu não tenha a capacidade de escrever que ele tem, eu poderia ler o que
ele escreveu, como se fosse um discurso e terminar dizendo, como os antigos e
bons oradores: “- Tenho dito”.
EM BUSCA
DE LIVROS NÃO
LIDOS
Papel, tinta, muita imaginação.
Hai Kay letrado: O
universo do conhecimento ilimitado.
Livros que passam de mão em mão.
(JCN)
Depois de
sorumbáticos meses de estranha ausência, o meu amigo Trasmontano parece
ter despertado de um pesadelo de total amorfia e desencanto da vida. Na última
sexta-feira, 17/08/12, ele e seu novo amigo, José Nagado, foram à Bienal
do Livro conferir as últimas novidades. Queriam comprovar in loco se de fato
ainda existem livros de verdade – como em passado ainda recente – produzidos
com papel, cartão, tinta, cola, costura, cores, páginas que se podem tatear,
marcar, abrir e fechar. Enfim, livros de ler, de encantar, de dar ou de
emprestar, de imaginar, de viajar, de aprender, de sonhar. Foi
uma
sábia decisão, pois, sim, ainda encontraram esses espécimes que se tornarão
cada vez mais raros, e próximos candidatos à extinção. E ali ainda estavam
eles: empilhados, enfileirados, protegidos, iluminados, expostos e anunciados
como objetos raros em pose de promoção que parecem gritar: “Aproveitem,
comprem, levem agora, são de primeira leitura; nunca foram lidos; não requerem
prática, nem habilidade; só alguma escolaridade; qualquer criança se encanta;
qualquer adulto se diverte; qualquer ser humano
enobrece”.
É
curioso como os livros podem servir de ponto de encontro de seres cujas origens
geográficas podem vir de extremos opostos, como Oriente e Ocidente. Os dois
amigos, um trasmontano brasileiro, e o outro, um brasileiro de
origem japonesa, procedente de Okinawa. Não se
conhecem de longa data, mas já se tratam
como se assim o fossem. Foram atraídos pela mesma coincidente armadilha:
a da literatura. O Nagado,
engenheiro de formação e carreira, depois de aposentado, travestiu a sua
racionalidade matemática em profunda análise e crítica das teorias do Burlesco, e das origens do
humor, sem ter medo de escarafunchar nas obras de filósofos como Barthes,
Bergson, Wittgenstein, Lichtemberg, Nietzsche, e outros ícones da psicologia e
psiquiatria, como Freud e Jung. Os ensaios de sua autoria, postados em seu
blog, têm a profundidade e a seriedade do intelectual seguro do que escreve.
Mas a sua racionalidade matemática não consegue esconder a sua sensibilidade
para a crônica, e a sua maestria em Hai Kays, poemetos de origem japonesa, -
similares ao que está abaixo do título desta crônica - cuja arte tenta ensinar ao meu amigo, com paciência oriental. A sua sensibilidade
se estende à pintura e à música. Sobre o Trasmontano, já se lhe conhecem as
suas principais facetas, através das muitas crônicas em que tem sido
protagonista.
O passeio pelas alamedas de mansões
geminadas, cujos moradores e senhores eram os livros, trouxe-lhes uma excitação
quase infantil, e a impaciência de adolescentes
a ambos, na vontade de, num futuro próximo, terem a sua própria
literatura também exposta em livros de carne e osso (oops, de papel e tinta).
Não, eles não esperam ganhar um Nobel no
futuro com os textos que escreveram - e ainda escreverão - nem tampouco alcançar tops de milhões
de exemplares vendidos. Eles apenas sonham em fazer parte dos bilhões de
partículas literárias espalhadas pelo universo do conhecimento; apor um
certificado que ateste o seu DNA nalguma ideia ou registro de suas
próprias emoções,
criações,
ilusões, sonhos, inspirações, experiências de vida. Afinal, eles já tiveram
filhos, já plantaram uma árvore e, embora bem poucos saibam, já escreveram,
cada um, seu livro. Só falta editá-los, dar-lhes asas, e deixar que voem ao
encontro de todos aqueles que não desprezam a expressão dos átomos de um novo
pensamento, um novo olhar sobre a vida, o universo, a natureza, e a humanidade.
Que ambos realizem seus sonhos.
O entusiasmo e esperanças, compartidos
com seu amigo Nagado, disfarçaram o real estado de espírito do meu amigo
Trasmontano. Na verdade, o que ele sentia, naquele momento, era uma profunda
nostalgia por rever, mentalmente, naquele universo literário que os envolvia,
um flash-back de seus últimos 40 anos, 20 dos quais vividos em outros eventos tão
importantes, ou mais que aquele, espalhados pelo mundo. Nesse momento, era um
simples visitante, e não mais um dos vários protagonistas das muitas Feiras
Internacionais do Livro de que participara desde 1980, da sua primeira
no Salão da Bienal no Ibirapuera, à última de 2000, em Guadalajara. Nesse período de 20 anos,
além das Bienais alternadas de São Paulo e Rio, participava de outras 9 a 12
anuais Feiras Internacionais, num total em torno de 200, sediadas por Buenos
Aires, Bogotá, Santiago, Guadalajara, Lisboa, Bologna e Frankfurt; alternadas
como Madrid e Barcelona, ou como NY, Miami, Washington, New Orleans, San
Francisco, Los Angeles, San Diego, Anaheim, e Las Vegas; outras eventuais como
Londres, Tokyo, Lima, Quito, Caracas, San Juan P. Rico, Asunción e Montevidéu.
Um destaque especial para a de Frankfurt, a Meca de todos os editores,
escritores e agentes literários do mundo. Qualquer ser humano que viva
nessa tríade, tem que estar lá em pelo menos uma edição. O meu amigo participou
dela em 16 anos consecutivos.
Sem nunca haver feito literatura, desde
quando foi fundador e redator do Roosevelt News, já mencionado em textos
anteriores, o Trasmontano crê, sem falta modéstia, ter dado o seu quinhão de
contribuição à literatura brasileira, ao difundir, nessas Feiras – com o
respaldo da Melhoramentos - o trabalho
de autores nacionais como Ziraldo, Ruth Rocha, Maurício de Sousa, Ciça
Fitipaldi, Rogério Borges, Rogério de Andrade, José Mauro de Vasconcelos - e
outros a quem a sua já deficiente memória pede desculpas pelo esquecimento – ao
fazer com que todos se projetassem internacionalmente, e chegassem a mercados
nunca imaginados, no contexto de suas épocas, abrangendo quase todos os países da América Latina, USA, Canadá, Alemanha,
Inglaterra, Itália, Espanha, Portugal, Dinamarca, França, Índia e Japão, além
de outros de menor expressão mercadológica. Mas, apesar disso, sempre lhe ficou
uma desconfortável sensação de que o seu trabalho foi mais reconhecido no
exterior do que no país.
Os dois amigos terminaram o tour pela
Feira, como simples e anônimos visitantes, já prestes a voltar para suas casas.
Enquanto o Nagado o espera já fora do recinto, o Trasmontano não resiste a um
último olhar sobre as coloridas casas de livros. Lembrou-se de que, em todo o
percurso, havia encontrado apenas dois de seus mais antigos companheiros, ambos
originários da sua querida Melhoramentos. Sentiu-se como num teatro a que fosse
assistir à mesma peça repetidas vezes, na qual os atores se renovavam gradativamente,
ano após ano, mas ele conhecia a todos, e todos o conheciam. Passados alguns
anos ausente, ele volta ao mesmo teatro, mesma peça mesmo cenário, mas já não
reconhece mais ninguém no palco, assim como ninguém o reconhece. O tempo havia
sido inexorável para todos. A idade foi substituindo os antigos protagonistas,
ou talvez fosse apenas um momento de descanso à espera da próxima sessão. Mas a
idade também o havia transformado, pois o seu corpo cansado pela caminhada; a
sua mente aturdida de saudade; os seus olhos com disfarçadas lágrimas; e a
multidão de escolares a empurrá-lo; tudo
conspirava para deixar sua alma em prantos. Fora, seu amigo já o esperava.
Preferiu não falar mais de livros; engatou uma conversa, totalmente fora de
contexto, sobre Violeta Parra e Mercedes
Sosa. Assim como o Céu, os livros também poderão esperar pelo próximo passo de
ambos.
JCN –
AGO – 2012
Parabéns, Zé Carlos Neves, nos proporcionando uma leitura leve mas com substância, agradável e na medida certa, trazendo uma nostalgia gostosa de quem vivenciou os bons e insubstituíveis tempos da era editorial impressa...E obrigada, Freitas, por nos proporcionar mais um rico texto através de seu blog, como sempre oferecendo eclética gama de leitura de bom gosto e alto nível.
ResponderExcluirEliane, muito obrigado pela atenção. Realmente o texto do Zé Carlos é ótimo, e tem tudo a ver conosco, por isso que o publiquei. Espero publicar outros em breve.
ResponderExcluirFreitas
ResponderExcluirObrigado pela generosidade da postagem e do prefácio. Só você e mais uns bem poucos podem entender o sentimento transposto para o texto. Você como eu fizemos parte dos pioneiros da "globalização", numa época em que o termo nem era ainda utilizado com o sentido de hoje. A Eli interpretou perfeitamente o que tentei transmitir no texto.
Um grande abraço a ambos e a todos os ex-companheiros que o lerem.
José Carlos - 09/09/12
Zé Carlos, estou pensando seriamente colocar outro texto seu no meu blog. Depois lhe passo detalhes. Muito obrigado por tudo! Freitas
ResponderExcluirFreitas
ExcluirPodes escolher e postar o texto que e quando quiseres.
Abraço - José Carlos - 09/09/12