... a nós, compete acreditar!
Nicanor de Freitas Filho
Estava
começando a Copa do Mundo de 1974. Sofri um violento acidente, no banheiro,
dentro de casa, conforme já contei na primeira parte deste causo, que me deixou
o tórax enfaixado e sem movimento no braço direito.
Como
naquele tempo ainda participavam somente 16 seleções, já começava a Copa, como
oitavas de final. Assim os jogos eram sempre aos sábados e domingos e quartas e
quintas-feiras. Desta forma resolvi marcar, para trocar as faixas, sempre às
quartas-feiras, porque no dia da troca eu não ia trabalhar e assim podia assistir
aos jogos da Copa. Embora não empolgasse muito a retranca brasileira, tínhamos
bons jogadores, como Leão, Nelinho (o maior batedor de faltas que conheci),
Luis Pereira, Piazza, Rivelino, Paulo Cesar, Jairzinho e muitos outros bons
jogadores. E sempre se tinha a esperança do tetra.
Fiquei durante 60 dias trocando semanalmente as faixas.
Nesse período, foi uma dificuldade, não no trabalho, pois minhas funções me
permitiam apenas participar de reuniões e tínhamos boas secretárias, e um
colega, também economista, com o qual tinha uma sintonia de trabalho muito boa,
mas para fazer as coisas rotineiras sem a mão direita. Por exemplo, minha
mulher tinha que assinar um cheque que eu sacava e carregava tudo em dinheiro
vivo, pois não tinha como assinar cheques. Naquele tempo não se usavam os
cartões de crédito. Sem poder dirigir, geralmente eu ia trabalhar de taxi.
Nessa época tinha um colega que namorava a cunhada de um
dos diretores da Financeira que eu trabalhava, que morava em Pinheiros, se não
me engano na Rua Padre Carvalho, bem atrás da Av. Pedroso de Morais, ou seja, pro
lado da minha casa, que ficava na Rua Alves Guimarães. Então, algumas vezes,
quando ele ia namorar e eu de volta para casa, rachávamos o taxi, isto é, cada
um pagava metade da corrida. Como eu parava primeiro, ele pagava a corrida e no
dia seguinte me dizia quanto foi e eu lhe reembolsava a metade do valor.
Era moda, e muito comum, os homens usarem uma “capanguinha”
com uma alça pequena, para carregar dinheiro, documentos, isqueiro, cigarro e
outros objetos. Era assim, parecida com uma nécessaire, mas geralmente de couro
e tinha algumas bonitas. Eu usava uma de couro marrom, não muito grande, mas
“quebrava o galho”, pois era a única coisa que conseguia carregar com a mão
esquerda. Nesse dia, que vou relatar, eu tinha comprado um par de sapatos e
então estava com minha capanguinha e uma caixa de sapatos. Convidei meu colega para
rachar o taxi, e fomos, por volta das 18:30 h. Aquele rush danado! Fomos
conversando sobre futebol, sobre a Copa do Mundo até minha casa. O taxi parou
bem na porta do meu prédio, despedi-me do amigo, peguei a caixa de sapatos e
desci do taxi. Assim que entrei no saguão, notei que faltava a capanguinha,
onde estava a chave de casa. Imediatamente, perguntei pelo zelador, que era um
bom motorista e poderia me ajudar, dirigindo o meu carro. O porteiro me
informou que ele tinha saído. Joguei então a caixa de sapatos sobre a mesa do
porteiro, disse para ele guardar para mim. Saí para rua, dei de cara com uma
vizinha chegando de taxi, que tomei imediatamente, e disse ao motorista para
descer a Rua Cardeal Arcoverde até à Av. Pedroso de Morais, que deveria ser o
caminho que meu amigo fazia. Aí fui explicar a ele o que tinha acontecido e de
que forma poderia me ajudar, para encontrarmos o taxi, onde havia esquecido
minha capanguinha. Sabia que o taxi era um Opala marrom, embora não soubesse a
placa. Não havia ainda padronização de cores de taxi, como hoje. Mas Opala
marrom não era muito comum. Descemos a Rua Cardeal Arcoverde e eu de olho nos
carros. Entramos à direita na Av. Pedroso e o trânsito estava intenso. O
motorista me dizia: “-Moço, não tem como encontrarmos um taxi, com
tantos carros passando.” Eu insistia para ele
ir em direção a Rua Padre Carvalho, quando, de repente, vi, no sentido
contrário um taxi marrom. Desci no meio do trânsito mesmo e tentei correr
atrás. Mas com todo o movimento não foi possível. Então fiz sinal para o
motorista do meu taxi fazer o balão para voltarmos. Ele titubeou e então levantei
o braço esquerdo e parei o trânsito para ele fazer a conversão. Algumas
buzinadas e alguns xingamentos, entrei no taxi e disse para ele seguir o
marronzinho. Ele tentava ultrapassar para aproximarmos, mas ninguém ajudava.
Estávamos a uns 10 carros de distância do marronzinho, quando ele ficou parado no
semáforo da esquina da rua Teodoro Sampaio. Nós estávamos parados um pouco pra
frente da esquina com a Rua Cardeal Arcoverde, isto é, menos de um quarteirão
atrás. Eu disse para o motorista que ia descer e correr até lá, se por acaso eu
não conseguisse, ele deveria me pegar lá na frente. Na hora que eu estava
chegando, o semáforo abriu – o marronzinho era o segundo carro – e ele chegou a
movimentar, mas eu consegui bater com a mão esquerda no porta-malas, o que fez
um tremendo barulho e ele parou para ver o que tinha acontecido. Imagino que
ele pensou que alguém lhe tivesse abalroado por traz. No que ele parou, corri e
abri a porta traseira da esquerda, enfiei a mão e peguei minha capanguinha
que lá estava e disse para ele: “-Pode ir que já peguei minha capanguinha.”
Acho que ele não entendeu nada, mas como os
motoristas que estavam atrás, começaram a buzinar, ele se mandou e eu fiquei
esperando pelo meu taxi, com minha capanguinha na mão. Quando o motorista parou para eu entrar novamente
no taxi, ele não acreditava! “-Mas como o senhor sabia que era esse taxi
que o senhor tinha tomado?” Eu, já sentado e
mais calmo, porque dentro da capanguinha tinha uma bolada de dinheiro, respondi
para ele: “-Foi Deus quem me informou...”
Olá Nicanor, você tem sorte. Acredito que foi obra do destino para compensá-lo pela dor que sentiu quando quebrou o braço no banheiro. Abraços - Wanderley Ciuffi
ResponderExcluirMuito obrigado Wanderley! Como eu disse: "Deus sempre ajuda...compete a nós acreditar". Fico imaginando hoje, 40 anos depois, eu parando o trânsito na Av. Pedroso de Morais, seria linchado!
ExcluirFreitas
ResponderExcluirA história completa não é mais um causo. É um verdadeiro THRILLER, com um final feliz e surpreendente. Abraço. J. Carlos
É verdade Zé! Estes textos fazem parte de minhas "Memórias", que tenho tentado colocar "no computador", já que nem sei escrever mais, pelar colocar no Papel. Nem cheque a gente assina mais... acho que não dou mais conta de escrever uma página à mão... Obrigado pelos comentários!
ExcluirCoisas de DESTINO... (VLM - Maria Arteira)
ResponderExcluirE como Deus tem conduzido meu destino...
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