quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Causo 92 Um Natal quase diferente do real


Regina Célia Mastine

      Em dezembro de 1956, eu estava com apenas seis anos, quando minha querida tia Nenzinha chegou em nossa casa em Itajubá, no sul de Minas; juntamente com seu marido o Tio  Osvaldo, vieram de charrete para passar o dia conosco e fazer suas compras, pois em sua cidade, São José do Alegre, na ocasião, não havia tantos estabelecimentos comerciais.
      Minha mãe ficava feliz em receber sua irmã tão querida e caprichava mais ainda na decoração dos pratos apetitosos que fazia para nossa mesa de refeições.
      Durante o almoço a tia Nenzinha convidou-me para passar as férias com eles, e era a primeira vez que iria viajar sem estar acompanhada de minhas irmãs. Eu fiquei empolgada e como gostava de andar de charrete, de imediato fiquei pedindo por várias vezes para que mamãe permitisse. Consegui a autorização de tanto insistir para ir... Feliz fui fazer minha malinha juntamente com a Joaquina, nossa aia, que sempre estava alegre e prestativa e nos ajudava em todos os serviços da casa .
        Mas ao despedir de minhas irmãs, senti que a Zélia queria ir também. Ela estava com dez anos nessa ocasião, mas não havia lugar no único banco que a charrete possuía e ela ficou com os olhos lacrimejantes... Fui... 
        Sendo eu a caçula de minha casa a Tia Nenzinha me agradava mais, pois ela não tinha filhos, me ensinou a fazer crochê, tricô, renda turca e bordar. Encontrei com meus primos que moravam ao lado, filhos de um irmão da mamãe, brincamos bastante pois éramos quase da mesma faixa de idade. Uma das brincadeiras que mais marcou foi em cima de uma enorme mangueira, onde eu, Tereza Maria e Marcinha, com nossas mobilhinhas, brincávamos de casinha, nos galhos grossos, os quais imaginávamos o andar do nosso prédio que era a árvore. Eu ficava no mais alto galho me sentindo como se estivesse naqueles edifícios que não existiam em Itajubá e nem em São José do Alegre. Pela manhã íamos ao curral com o primo Conrado, e cada uma levava sua  canequinha branca de ágata, com uma pitada de sal dentro, para tomar com o leite tirado direto da vaca à caneca; que espuminhas deliciosas formavam com o jato do leite, coisa difícil de ver atualmente devido as fabulosas máquinas que substituíram as mãos habilidosas de quem sabe ordenhar.
      Nesta ocasião começou a chover muito naquela região e o rio Sapucaí começou a subir, subir, transbordou e levou a única ponte existente. Ficamos ilhados! Estava aproximando o dia de meu aniversário e o Natal... A chuva não parava, não tendo como voltar antes do dia 22 de dezembro para Itajubá, eu chorava muito em ter que passar pela primeira vez, meu aniversário longe de minha mãe, minhas irmãs e amiguinhas; chorava mais ainda quando pensava no Natal diferente que teria que passar...
      Para amenizar a situação a Tia Nenzinha estava programando a minha festa, e euforicamente preparava os docinhos, os salgadinhos e o bolo para o meu aniversário. Ela estava feliz, pois era a primeira vez que fazia festa de aniversário de criança naquela casa enorme... Chegou o dia 22 e ela fez tanta coisa gostosa para me proporcionar alegria. Convidou tanta gente estranha que eu nem conhecia, muitos adultos, seus amigos estavam compartilhando da alegria da tia Nenzinha, em fazer minha festa de aniversário; até o Páraco da Igreja São José. Como eu não conseguia parar de chorar, o Padre Gervásio ficou comovido com o meu pranto e na hora do parabéns, as lágrimas eram tantas, eu soluçando, não sabia disfarçar para conter as lágrimas ao cortar aquele bolo alto, cheio de camadas quadriculadas feito um tabuleiro de damas, com chocolate e massa branca e preta. Vi várias pessoas chorando também... Que tristeza não poder voltar para Itajubá por que a ponte caiu!
       Mais lágrimas caiam quando comentavam que eu teria que passar o Natal lá. Felizmente o Padre Gervásio teve uma brilhante idéia, eu o escutei falando para o tio Osvaldo que sabia uma solução, para resolver a tristeza da Regininha: “- Se você doar uma leitoa para a ceia de Natal aos Padres de Itajubá...” Ele telefonaria para o Padre Mário (de Itajubá) vir até a margem direita do rio, de Jeep, buscar a leitoa para a ceia deles e ele me levaria até a margem esquerda em seu Jeep e faríamos a travessia numa canoa. O plano dele foi aprovado. Fiquei feliz, parei de chorar e curti a festa sorrindo.
     Então, na manhã seguinte o Tio Osvaldo matou duas leitoas, limpou-as e colocou-as num saco. Chamou o Padre, eu e as leitoas fomos no Jeep, aventurando pela estrada barrenta e escorregadia até a margem esquerda, onde ele deixou seu Jeep em lugar mais alto para a enchente não levá-lo.
      Quanta água! O rio Sapucaí ficou muito largo e cheio! Que enchente e que emoção atravessar de canoa com as leitoas! Uma situação inusitada, amei a aventura, a canoa balançava e eu estava curtindo feliz, nem aí com a chuva aumentando os movimentos da água no rio. Estava feliz por poder voltar à Itajubá e ficar livre do natal diferente que iria ter que passar.
     Ao chegar em nossa casa no dia 23 de dezembro, poder abraçar a mamãe já com os meus sete anos completados na véspera e com uma das leitoas para ela, de presente da tia Nenzinha, chorava de novo, mas agora de alegria e emoção por podermos estar juntas e colocar meu sapatinho na janela, ainda acreditando no Papai Noel, que lá colocava nossos presentes!

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Nicanor de Freitas Filho