quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Causo 93 Objeto Não Voador Identificado


                                                               José Gamaliel Anchieta Ramos
            Houve um tempo, pouco antes de sua morte, que ele se acomodava na varanda do apartamento para me contar causos. Com total expressividade criava modos e trejeitos próprios para imitar o “Padre Italiano da Ventania”, “Mané Frangueiro”, “Donana”, “João Gravata”, “Tié do Pio”, “Bunda de Couro”, “Dona Bem”, “Miguê da Romana” e tantos outros tipos inéditos de seus contos.
Quanta lembrança de meu pai!
            O seu forte eram os casos populares ou as invencionices das pequenas cidades do interior onde viveu. Menos o causo de nossa despedida, este que ouviu um humorista narrar na televisão.
            Varginha, antes Princesa do Sul de Minas, passou a ser conhecida como a “Terra do ET”, a partir do elevado número de relatos e testemunhos de moradores do município sobre uma possível série de aparições de OVNIS – Objetos Voadores Não Identificados.
            No início de 1996, jornais, revistas e tevês informavam que a cidade estava sendo invadida por seres extraterrenos. Sensacionais notícias que receberam enorme destaque.
            Pensando bem, estas ocorrências enigmáticas deixaram vestígios muito convincentes. Tudo levava a crer que depois disso os limites de Minas Gerais, já considerados extensos, tinham sido ampliados rumo ao infinito.
Nesta ocasião, foi divulgada a desmontagem da fraude. De nada adiantou, porque permaneceu a marcante impressão do impacto inicial causado pela notícia.
            Em função dos misteriosos fatos um momento de forte tensão tomou posse do meio urbano e rural em que viviam. Durante a semana parece que tudo o mais não acontecia, todos insistiam em falar tão somente dos visitantes de fora da Terra.
            Mas não é por tais rumores que Compadre José Vieira ia deixar de reunir em sua fazenda os amigos para o tradicional jogo de truco. Ora, ora, nem pensar em uma coisa absurda como essa!
            Não tinham o menor medo de um perigo imaginário. Ao contrário, faziam graça daquilo. Extraterrestre para cá, extraterrestre para lá, eles falavam nisso a toda hora, nas diversas rodadas, até quando iam insultar o adversário, naquele tipo de provocação muito natural do jogo.
            Valter Cipriano, rico fazendeiro da região, naquele sábado estava entre os participantes da jogatina. Em torno de cinco horas ele passou jogando, meia-noite e tanto se despede de todos, entra na D20 e vai embora.
            Bem no meio do caminho de casa aconteceu algo que não esperava, mesmo sendo bastante nova, a caminhonete parou. Várias vezes acionou a chave da partida, mas as tentativas foram em vão, não ligava. De fazenda conhecia tudo, como ele gostaria de entender também do funcionamento desse motor, mas não sabia nada. Dormir ali desacomodado seria a pior idéia. Por fim, deixou o veículo na estrada, abandonado. Em seguida, marchou a pé em direção a sua fazenda.
            Seu Valter, muito acostumado a andar unicamente de carro, não estava nem um pouco preparado para curtos percursos, quanto mais para longas caminhadas. Sem outra maneira de tornar para onde viera, ele mesmo, teria a obrigação de arrastar cento e tantos quilos, quase uma légua no escuro, mesmo sendo um extraordinário sacrifício.
            Assim que entrou na estrada de terra, lembrou-se da matinha logo mais adiante, famoso palco de muitas histórias de ações das sombras. O poderoso dono das terras em que pisava, de muitas outras e de incontáveis cabeças de gado, jamais sentiu pavor, nem de longe, muito menos de perto.
            Fazia uma noite sem o menor sinal de claridade. As nuvens encobriam todas as estrelas, até a lua estava ausente do céu sul mineiro. Assim, nada via, talvez fosse incapaz de diferençar alguma forma na escuridão total. As trevas em que tinha o infortúnio de vagar estavam rodeadas por um silêncio profundo.
            Embora estivesse todo aterrorizado e bastante entregue ao cansaço, o homenzarrão seguia em frente. Aquela alma sertaneja já estava com o corpo arrepiado da cabeça aos pés. Os nervos se encontravam muito abalados, já não eram mais os nervos do frio imperador, do dono de muitos bens, tão senhor de si. Bem ali, a estreita estrada dividiria ao meio o capão de mato. Naquela altura caminhava com o passo amarrado, como quem não queria ir adiante. Afinal, nunca havia enfrentado uma situação aflitiva igual àquela.
            Estava nesse clima de horror quando chegou à matinha. Para aumentar ainda mais o pânico, bem no meio do escuro completo, surgiu de repente certo clarão de luz, que aumentava e diminuía, que... De imediato, o boiadeiro a si perguntou:
─ Pai do céu, que luzinha estranha será esta? Meu Deus será o ET?
            Nessa hora, como tinha sempre uma grande coragem, firma a vista na direção da maldita luz que continuava a aumentar e diminuir, de modo insistente. Após caminhar rumo ao foco luminoso, já de arma em punho resolveu dizer uma frase. Com os olhos arregalados, aproximou-se mais um pouco e repetiu a mesma sentença. Não houve resposta.
            O destemido senhor chegou ainda mais perto, momento em que percebeu dois braços enormes esticados. E no limite de sua ansiedade, pela última vez, aos berros, naquele momento, disse:
─ Aqui é o Valter Cipriano, fazendeiro da região, pra o que dé e vié, comunicano, comunicano!
            Então, bem no meio do foco de luz, saiu em um apavorado tom de voz, a seguinte comunicação:
─ Aqui é o Dito Baiano, capatais do lugá, às suas orde, pitano e cagano!

10 comentários:

  1. Freitas
    Um "causo" de verdade! Com uma boa carga de suspense, e fim engraçado e surpreendente. Bom causeiro. Abraço, J.Carlos

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    1. Zéca, como lhe expliquei, fiquei um tempo sem poder responder aos comentários, porque eu mesmo bloqueei os cookies do blog. Por isso só agora estou lhe agradecendo pelo comentário.

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  2. Adorei!!! Criativo, engraçado!!! Excelente causeiro.

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    1. Repito: Muito obrigado pelo comentário!
      Por favor, assine seus comentários, para eu poder dirigir uma resposta pessoal.
      Abraços
      Nicanor

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  3. Muito bem escrito, criativo e engraçado. Adorei!
    Parabéns ao autor e ao blogueiro pela divulgação.
    Malu

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    1. Malu, parabéns para o autor. O blogueiro, que tinha aposentado e resolver escrever para o blog, ganhou dois netos e agora não tem mais tempo, então procura os causos dos amigos escribas...
      Abraço

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  4. Muito bom!!!!! Dei boas risadas! Tereza Silva

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  5. Excelente!!! O autor possui uma redação invejável e consegue prender a atenção do leitor do princípio ao fim. Um "causo" com título bem apropriado e com doses de emoção: quando relata os momentos inesquecíveis passados com o pai; suspense e humor. Fim surpreendente e engraçado! Ri bastante!!!
    Parabéns ao autor!
    Maria de Fátima Lucas - Bsb, 07/04/2014

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Obrigado pelo seu comentário! É sempre muito bem vindo.
Nicanor de Freitas Filho