segunda-feira, 18 de julho de 2011

Causo 15 Macho não tem medo de nada!

Nicanor de Freitas Filho

Meu pai, já falecido, foi um pai exigente com os filhos, nos poucos anos que convivemos. Dentre um monte de bobagens, ele não admitia que nós, os homens, tivéssemos medo. De nada! Eu nunca gostei – e continuo não gostando – de escuro. Hoje, não vou dizer que tenho medo, mas me incomoda.
Lembro-me perfeitamente, quando morávamos no Veríssimo, minúscula cidade do Triângulo Mineiro, nos anos de 1.951 e 1.952, numa casa que tinha um quintal muito grande e na divisa com a casa da rua de baixo, morava uma família que tinha um filho, que na época chamávamos de “retardado”. Mas era muito anormal mesmo! Ele não morava na casa com os demais, mas vivia como um animal, no quintal deles. Era uma figura horripilante, magro, extremamente feio, que nunca conviveu com ninguém e não sabia nem falar, só balbuciava alguns sons estranhos. Como disse, vivia como um animal no fundo do quintal. Era uma figura assustadora, porque, além de tudo, vivia semi-pelado.  No Veríssimo, as propriedades não eram separadas por muros, mas por cercas, ou de taquara ou de arame farpado mesmo. O fato é que se via tudo no quintal do vizinho.
Pois meu pai me fez, mais de uma vez, ir ao fundo do nosso quintal, de noite, na escuridão, para mostrar que não tinha medo.  Nota: naquele tempo, não tinha luz nem nas ruas, imagine a escuridão do fundo do quintal.  Eu quase morri de medo e devo ter tremido pra burro, mas tinha que ser macho!!
Pois bem, meu pai era Presidente da Liga Araxaense de Desportos, e cuidava de toda documentação dos jogadores, na época deste caso, do Araxá Esporte. Por isso, ia muito a Belo Horizonte e para economizar ia, sempre que podia, de carona. Um dia, pegou carona com o Mozart, que tinha um caminhão Mercedes e lá se foram. Num determinado momento o Mozart, encostou o caminhão no acostamento e disse ao meu pai que estava com uma ponta-de-eixo quebrada. Desceu, pegou as ferramentas, levantou um dos lados do caminhão no macaco, retirou a roda, a tal ponta-de-eixo e perguntou ao me pai se ele queria pegar uma carona até à próxima cidade para achar alguém que soldasse a peça ou se preferia ficar tomando conta do caminhão, que ficou lá só com três rodas e no macaco. Meu pai, que não entendia de nada de mecânica, escolheu ficar tomando canta do caminhão. Isto era por volta das 19 horas. Então o Mozart disse para ele, que ali naquele pedaço, já vira muitas vezes umas bolas de fogo, que se formavam por causa da quantidade de cálcio e fósforo que tinha naquela região. Se acaso ele as visse, não tinha nenhum problema, que não era para ficar com medo. No que ele retrucou,
“ – medo, eu, Mozart?”
Passou um outro caminhoneiro e o Mozart pegou carona com ele e lá se foi para soldar a ponta-de-eixo.
Passaram-se várias horas e as tais bolas de fogo apareceram. Apesar de dizer que não teve medo, confessou que era um pouco assustador, aquelas bolas de fogo correndo no ar, mas como não tinha medo e o Mozart já tinha avisado, tudo bem. Não houve problemas. Só ficou um pouco “encucado” com aquilo. Como pode, formar bolas de fogo assim??
As horas passaram, o Mozart não voltou e bateu o sono. Armou a cama na cabine do Mercedinho, deitou e dormiu, apesar de ter ficado pensando nas tais bolas de fogo.  De madrugada, ainda escuro, acordou assustado como o caminhão tremendo, sacudindo! Parou! Balançou de novo, mas um sacolejo, que não parecia ser normal, parecia que o chão tremia! E continuou, balança e pára, balança e pára. Ele perguntou baixinho: “ – Mozart?”, mas não teve resposta. Perguntou de novo: “ – Mozart?” sem resposta. E a coisa continuava balança e pára, balança e pára... Então ele, que não tinha medo – e não podia ter medo – bem devagar, levou a mão ao porta-luvas, encontrou aquela cruzeta, para apertar parafuso de roda de caminhão, segurou firme, pensando como ia enfrentar a sombração ou ladrão, ele não fazia idéia do que era, mas estava preparado, de cruzeta em punho, firme e pensando, a surpresa  vai ser minha principal arma, pois a “tal coisa”, não deve estar esperando. Se for um ladrão eu furo logo um dos olhos dele, e, tem que ser ladrão, porque “eu não acredito em sombração”!!  Procurou a maçaneta da porta do lado do carona, se preparou do jeito que pode, abriu a porta, pulou, como um samurai para fora do caminhão, com um grito de guerra: “ – iiiaáááááh!!!!”
Aí a vaca, que estava coçando o lombo na ponta da carroceria, que estava mais levantada, se assustou e saiu correndo, para alívio do velho, “que não tinha medo”!!!!

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Nicanor de Freitas Filho