sábado, 30 de julho de 2011

Causo 19 Papagaio Olavo

PAPAGAIO OLAVO



Nicanor de Freitas Filho



Na segunda metade da década de 50, eu devia ter de 10 para 11 anos e me especializei num brinquedo: papagaio, ou pipa como chamam os cariocas. Fazia papagaios de papel de seda coloridos, bem leves, com varetas de bambu muito bem raspadas (pareciam lixadas) e usava como cola, o grude, que era polvilho cozido só em água, que guardávamos numas latas ou nos copos velhos. 

Eu era muito caprichoso. Media sistematicamente para ficar bem simétrico e não “pender” para nenhum lado. Raspava as varetas de bambu, com canivete, até ficarem lisinhas para não estragar o papel. Colava com todo o cuidado cada pedacinho da vareta  e gostava de fazer o arremate, para não rasgar fácil. O arremate vinha a ser a passagem da linha em cada extremidade das varetas cruzadas, cortava o papel um pouco maior e dobrava sobre esta linha e colava, cada cantinho. Para amarrar o cabresto – que é onde amarramos a linha da carretilha – eu media meticulosamente, pois ele tem que ficar preso exatamente na metade, entre a ponta e o cruzamento das varetas, em cima. Em baixo dever estar próximo de um terço entre o cruzamento das varetas e o ponta de baixo. A folga da linha deve permitir puxar o local da amarra a pelo menos 10 ou 15 cm do papel, dependendo do tamanho do papagaio.    Eram verdadeiras “obras de arte”, modéstia à parte. Os outros meninos que não sabiam fazer os seus papagaios, me pediam para eu fazer para eles. Então eu cobrava uma folha a mais, para fazer os meus, já que eu não tinha dinheiro para comprar e papagaio rasga muito fácil.

Aí, um dia o meu padrinho Ciso, fez uma “carretilha” para mim. Ele era mecânico eletricista e dos bons. Tinha boas ferramentas e material adequado. Colocou uma pequena engrenagem na manivela, de forma que quando eu dava um giro nela, as pás da carretilha giravam 3 ou 4 vezes. Assim, eu “puxava” os papagaios numa rapidez incrível. Todos morriam de inveja da minha carretilha!

Um dia eu estava soltando papagaio, grande, de 4 folhas, com um cordonê que eu tinha ganhado do Lulu (cordonê é uma linha bem grossa, quase um cordão), na excepcional carretilha, na porta do cemitério, porque lá não tinha postes para nos atrapalhar. Chegou lá um senhor, muito bem vestido, de terno e gravata ficou olhando nossa atividade. Chegou mais perto e perguntou:

“ – Que tamanho tem este papagaio!”

“ – 4 folhas de papel de seda”

“ – Até que tamanho dá para fazer um maior que este?”

“ – Nunca fiz maior não senhor, mas acho que dá para dobrar, fazer de 8 folhas!”

“ – Então faz um para mim, de 8 folhas.”

“ – Mas o senhor tem que me dar 8 folhas a mais em pagamento.”

“ – Não tem problema. Eu lhe dou as 16 folhas você faz o papagaio, pode ficar com ele pra você e ainda lhe dou 1 mil réis, para você soltá-lo todos os dias, aqui nesse lugar, por pelo menos 1 hora por dia.”

Era muito bom para ser verdade!

“ – Está bem, quando o senhor me entrega as folhas?”

“ – Agora! Onde que compra dessas daí?”

“ – Ali no Zé Afonso.”

“ – Ah! Uma coisa. Quero também que recorte e cole meu nome em baixo, bem grande. Podemos comprar as folhas amarelas e você escreve com azul, bem escuro. Você consegue recortar as letras? Escreva OLAVO. São só 5 letrinhas.”

“ – Está bem, vamos lá no Zé Afonso buscar as folhas de seda.”

Levei dois dias inteiros para fazer o “papagaião”, porque era difícil fazer tanto grude, emendar as varetas, porque não conseguia bambu daquele tamanho. Tive que inventar um jeito de amarrar duas varetas e colar por cima. Pior foi que eu não pensei direito e não deu certo fazer com 8 folhas. Tive que usar uma das minhas e fazer com 9 folhas, para ficar um retângulo que permitisse os cortes e o aproveitamento da maior área possível. Cortar aquelas letras. Fiz a primeira vez e ficou muito pequeno o nome. Vi que tinha que medir direito. Foi uma engenharia complicada! Perdi muito material e acabou ficando só um pouco maior que o meu de 4 folhas. Mas ficou bonito! Era um amarelo clarinho, quase palha, e o azul bem escuro, contrastava bem.  Fui soltar o papagaio “Olavo”, como ficou conhecido. Mas foram só dois dias, porque no segundo dia, ventou um pouco mais que o normal e o cordonê não agüentou e arrebentou e o Olavo foi embora...

Mas, com certeza, foi a primeira publicidade política feita em tal mídia: papagaio de 8 folhas!

O Sr. Olavo que conversou comigo, tratava-se do Dr. Olavo Drummond, que era candidato a Deputado Estadual naquele ano. Foi tudo feito honestamente! Sem Caixa 2. Se ajudei ou não, eu não sei, mas ele foi eleito...

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Nicanor de Freitas Filho